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Fic feita para o “Desafio Miss Sunshine 2010” ^-^

 

 

 

 

Silêncio e solidão.Vejiita estava sozinho deitado nas pedras, os penhascos se estendendo até o horizonte, duros, áridos e severos como ele mesmo. No céu, as estrelas, eternas.

 

Ele não queria ter recordações, nunca quis. Não queria encher de saudade a sua solidão – preferia que ela fosse assim, vazia e perigosa. Nunca havia sentido saudades:de nada, de ninguém.

 

Naquela noite fria, ao olhar para a escuridão noturna, alguma coisa se agitava dentro dele, inquieta, ligeira e irascível. A nave estava parada logo abaixo do penhasco em que se deixava estar deitado, imerso em seus pensamentos, o cenho franzido, pronto para partir.

 

Fora naquele céu escuro pontilhado de estrelas que fizera-se forte e orgulhoso, aprendera a desejar com intensidade e a lutar com obstinação selvagem.

 

Tantas estrelas, incontáveis – ele fechou os olhos e por um instante pareceu sentir o cheiro dela, doce e obssessivo,dentro dele mesmo. Um arrepio percorreu seu corpo,  latejante,do dedo dos pés a ponta dos cabelos. Fugidio instante - a ânsia, o desejo preso na garganta, na ponta dos dedos, no fundo das entranhas.

 

O céu, as estrelas, os mesmos do passado, iguais. Todo o seu corpo gritava para ir embora – ele tinha que ir. Não era por isto que tinha saído de lá? Não era por isto que estava com a nave a sua espera, preparada para percorrer longas distâncias? E no entanto ali estava há tantos dias, intercalando exaustivos treinos solitários com treinos mentais, sem qualquer resultado prático.

 

Era dela que se lembrava sempre. No ar frio, quando fechava os olhos para se concentrar, ouvia o palpitar do seu coração , sentia sua pele salgada, quente, próxima e doce. Sua boca estava cheia do gosto dela, suas veias em turbilhão.

 

Aonde quer que fosse naquele planeta maldito, era a imagem dela que o perseguia.Era como se o cheiro dela permanecesse no ar, a vibração do seu peito palpitante, a raiva, o gosto dela em seus lábios, a poeira.

 

Ele sacudiu a cabeça e se ergueu, uma determinação violenta e impessoal nos olhos pretos. Tinha que ir embora.

 

 

*  *  *

 

 

Ela sentia, de verdade. Não foi apenas sua imaginação. Colocou as mãos sobre o ventre, ansiosa e atenta. O movimento foi leve, mas havia existido.

 

 

Aninhou-se no aconchego da sua cama, dividindo o espaço com seu computador portátil, ferramentas, revistas de fofoca, maquiagem e até um sanduíche. Tinha mesmo que arrumar aquilo ali, suspirou. Não estava mais dando para ficar ali.

 

 

Levantou e andou até a janela, olhando as estrelas no céu negro. Ele estaria lá? Pensaria nela, lembraria-se dela ainda? Sentiu um aperto no peito e pousou instintivamente as mãos sobre o ventre. Não estava mais sozinha. Um pedaço dele estava com ela, para sempre. Seu bebê, sua pequena semente de vida.

 

Sorriu levemente, a brisa acariciando seu rosto. Estava em sintonia perfeita com seu corpo, com o presente de vida que brotava dentro dela. Uma vida que uniria duas outras vidas para sempre, ela sentia. Era uma experiência singular, uma emoção que nunca havia sentido, algo que a fazia mais próxima dele, mas ao mesmo tempo fazia sentir sua ausência de forma mais dolorosa.

 

Virou de perfil, apertando a camisola junto ao corpo, observando-se, tentando sentir alguma mudança real em seu corpo. Já daria para perceber alguma coisa? Achava que não. Súbito, a impressão de estar sendo observada fez correr algo gelado pela sua espinha, ao mesmo tempo em que seu rosto ficava vermelho de tão quente.

 

Virou-se, rápida, e esbarrando em alguém. Era... ele! Mas como havia entrado ali, se a porta continuava fechada e ela estava do lado da janela? Ainda estava na Terra? E pior: teria visto as coisas tolas que fizera, apertando a camisola e fazendo poses para ver se já dava para perceber a barriga?

 

Todas as perguntas se dissolveram quando ela olhou naqueles olhos mais negros do que o céu daquela noite. Ele parecia pouco a vontade, e ela olhou para baixo, sem saber o que dizer por um instante.

 

Vejiita segurou o pulso dela com força. Ela olhou para ele, os olhos negros vazios e assustadores. A voz dele saiu estranha, rouca, praticamente um sussurro.

 

- Quanto mais eu queria ignorá-la, mais a sua imagem me assombrava....!

 

A mão dele subiu, passeando pelo contorno da sua bochecha,seus lábios, seu queixo, como se tivesse vida própria. Um toque ligeiro,como se ele tivesse medo de quebrá-la. Depois caiu, pesada como chumbo, inerte ao lado do seu corpo. Ela olhou para ele.Os olhos flamejantes  fixaram o rosto dela - olhos carregados de suspeita, sedentos de alguma coisa, perigosos e desconfiados.

 

No instante seguinte, Vejiita pestanejou, deixando aflorar uma estranha expressão no rosto sujo. Bulma não disse nada. Enquanto ele fixava seu característico olhar perscrutador nela, permanecia muda, fitando-o, parecendo acompanhar o ritmo da  respiração de ambos, as batidas aceleradas do coração.

 

- Você está diferente.

 

- ....

 

Ela nada disse.

 

"Baka! Eu conheço você. Alguma coisa mudou" Praguejou ele, mudamente.

 

Ele olhou o rosto dela, mais cheio do que antes, os olhos mais suaves. As semanas fora haviam acrescentado a sua percepção. Baixou o olhar e viu o ventre ligeiramente arredondado, quase imperceptível. Deu um passo atrás, afastando-se dela, com surpresa e horror mudos.

 

Orgulho, curiosidade, medo selvagem e indiferença silenciosa - tudo isso ela viu em seus olhos. Bulma colocou as mãos sobre o próprio ventre, fechando os olhos, respirando devagar. Sim, estava ali, ela sentia, era parte dela. Estava ali, dele e dela, vivo e agitado.  Inspirou o ar  novamente, sentindo a vida que se mexia dentro dela. Então, abriu seus olhos, lentamente, fitando a escuridão vazia do quarto -  tão de repente quanto tinha chegado, ele já não estava mais lá.

 

Sabia que ele tinha ido embora para o espaço. Ele não tinha lhe dito nada, nem adeus, como era de se esperar. Mas ela sabia- a visita no meio da noite, a nave para longas distâncias, a determinação feroz e impessoal do seu olhar.

 

Bulma olhou para os milhares de pontinhos luminosos tremeluzindo sua luz branca no céu. Ela não tinha dito uma palavra - ele tinha dito apenas duas frases. Mas aquele encontro foi como uma chuva que cai, vigorosa, sobre o capim ressequido depois do sol esturricante que o castigara durante dias. Ele tinha vindo vê-la antes de ir embora. E não importava o quão longe ele estivesse, ou o quanto demorasse, ela tinha uma parte dele dentro dela, a vida crescia em seu ventre. Aí, tudo o mais desapareceu, enquanto ela apertava seus braços ao redor do próprio corpo, em um abraço, e dava uma risada. Sua alma saltitava.