Inimigo Público Número Um por Alex Nox


 

Inimigo Público Número Um

Autoria: Alex Nox
Originais - drama, suspense - darkfic, original
15 anos - violência extrema, luta/violência - completa


Foi na última chuvarada do ano, e a noite estava preta. O homem estava em casa, chegara tarde, exausto e molhado, depois de uma viagem de ônibus mortificante, e comera, sem prazer, uma comida fria. Vestiu o pijama e ligou o rádio, mas o rádio estava ruim, roncando e estalando.

De repente, uma batida na porta.

— Já não era sem tempo — murmurou o homem. E, suando por causa do calor, de pijama e com uma garrafa de cerveja na mão, abriu a porta.

— Ande rápido, estou molhado até os ossos — disse o visitante, com o que fora um boné na mão, uma valise na outra, shorts cáqui e uma camisa sem mangas, verde.

— Também, você escolheu muito bem a sua roupa — disse sarcasticamente o anfitrião, dando passagem para o visitante entrar.

A porta foi fechada e os dois se sentaram  num sofá velho e roído pelos ratos.

— Então, o que você andou fazendo depois que Dolores te deixou? — perguntou o visitante.

— Me enterrando até o nariz nos negócios — respondeu o anfitrião — Esta velha casa esta vazia, nada pra fazer…

— Ela levou a TV, não foi? — indagou o outro.

— Sim, só sobrou essa porcaria de rádio que não funciona…

— Como você consegue escutar isso?

— Não escuto, só finjo que escuto…

Um silêncio inquietante caiu sobre os dois. O visitante abriu a valise que tinha trazido e começou a brincar com um compasso que havia tirado de dentro dela.

— Pelo amor de Deus, pare com isso! — disse o anfitrião — Você vai acabar acertando o olho de alguém!

— É o meu disfarce, não se esqueça disso… Todos pensam que ainda sou um arquiteto fajuto, ganhando uma joça de salário, quando na verdade estou ficando rico…

— E quem de nós não está? — rebateu o anfitrião — Aliás, fui hoje naquele fim de mundo de Jundiaí, de ônibus, pra ver a plantação, como está indo… Peguei um pouco das ervas para vocês verem.

— Onde está? — perguntou o outro.

— Lá em cima, já vou pegar…

O anfitrião subiu a escada, deixando o visitante sozinho na sala de visitas. Este vasculhou a sala palmo a palmo, até encontrar o que procurava: um embrulho verde, amassado, escondido debaixo do sofá… Uma boa parte da mercadoria sendo comida por ratos e sabe-se lá quais outros bichos nojentos haveriam naquela casa em ruínas! Francamente…

Ouviu o anfitrião descendo a escada e logo guardou o embrulho no bolso.

— Aqui está — disse ele, entregando uma valise verde ao visitante.

Os dois se jogaram novamente no sofá. Este caiu, levando os dois ao chão e enchendo a sala de pó.

— Cara, você precisa comprar uma casa nova… — disse o visitante.

— Também, isto aqui tá muito grande pra mim…

O anfitrião foi à cozinha, pegou duas cadeiras e voltou.

— Sabe — disse o visitante — Você nunca me contou direito o que aconteceu com a Dolores…

O anfitrião ficou em silêncio por uns momentos, depois respondeu:

— Bom, há mais ou menos um ano ela me disse que estava muito gorda e iria arranjar um personal trainer. Já viu, não é? A verdade é que não era ela que estava muito gorda, era eu que estava fora de forma. O fato é que ela emagreceu oito quilos em dois meses. Também, com os exercícios que os dois devem ter feito, não duvido muito… E não tiro a razão dela: estou gordo, com quase cem quilos, na menopausa, e com quase sessenta. O personal dela pesava sessenta e oito — direto do campo de concentração de Auschwitz — magro feito um pau, embora fosse musculoso, e tinha vinte e dois. Dois meses depois ela chegou em casa, pôs tudo o que tinha na mala e disse: Vou embora. Deve estar fazendo exercícios com o cara até hoje…

— Aí você começou a usar a mercadoria…

— Quem te disse isso?? — perguntou o anfitrião, indignado.

— É o que os seus colegas estão comentando, desde que sua mulher te deixou você começou a fumar e a usar a mercadoria…

— Bobagem! — respondeu o anfitrião.

— De qualquer modo, lá fora você é o Inimigo Público Número Um… caçado pela polícia, pela Polinter e o caramba.

— O que é que você acha, estou virando celebridade.

— Bom, ainda bem que estamos no Brasil e não na Europa… Aqui criminoso tem privilégio e pobre pasta.

— Como vou me aposentar em breve, não me preocupo muito com isso…

— Deveria, por que a polícia acha que, além de você comercializar, ainda fuma…

O anfitrião caiu para trás, aturdido com a resposta do outro. “Peguei em cheio” pensou o visitante.

— E o que você quer dizer com se aposentar? No nosso ramo, se aposentar é virar presunto, bem sabe…

— Ora essa, eu já ganhei bastante dinheiro, e pretendo me aposentar em breve.

— E se você, além de roubar nossa mercadoria para uso próprio, ainda estivesse ganhando MAIS dinheiro do que o necessário?

O anfitrião engoliu em seco. O visitante, pelo contrário, descobriu que havia chegado ao ponto. Com um sorriso, o gigante de camisa sem mangas pegou o compasso com o qual estivera brincando desde então, e atirou-se por sobre o anfitrião, ameaçando-o perfurar-lhe o rosto com a ponta seca.

A luta durou alguns minutos. O visitante agarrou os dedos com os quais o outro tentara roubar-lhe o compasso e quebrou-os um por um, seguidos por cada urro e grito do torturado.

— Onde está o que você roubou?

O anfitrião cuspiu um palavrão de volta.

— Você já viu um coelho sem pele? Quer saber como é um? Trouxe todos os meus brinquedinhos na minha valise!

O torturado cuspiu mais uma vez na cara de seu opressor e este enfiou a ponta seca do compasso embaixo da unha do polegar quebrado do anfitrião. Num gesto rápido, a unha ensangüentada voou para o canto da sala seguido pelo berro espasmódico e desesperado de dor do torturado.

— Está bem, está bem, eu conto! — berrou o anfitrião, em prantos.

O visitante agarrou-o por trás, com a ponta seca pingando de sangue do compasso a meio milímetro da garganta do outro, e obrigou-o a guiá-lo até onde estava o dinheiro escondido.

Os dois subiram a escada até o segundo andar, composto por um quarto e um banheiro. O anfitrião guiou-o até o banheiro.

— Solte-me, por favor! — disse o anfitrião.

O visitante jogou-o sobre os ladrilhos do banheiro, e o torturado vomitou ali mesmo. Depois se arrastou até um pia velha e suja, e disse:

— Ela não funciona.

Ele desatarraxou, com a mão razoavelmente boa, um pino solto dali e o dinheiro caiu sujo dos encanamentos.

— Está tudo nos encanamentos, por todo o banheiro – respondeu o anfitrião.

— Depois eu mando alguém quebrar as paredes, mas agora você vem comigo!

O visitante tentou agarrá-lo, do chão, mas o anfitrião tirou uma pistola de dentro do encanamento solto e atirou.

Ofegando, o visitante caiu no chão, enquanto o anfitrião se levantava com dificuldade. Arrastou-se até seu quarto e tirou uma mala escolar debaixo da cama, cheia de verdinhas.

Com a mochila a tiracolo, o anfitrião cambaleou até o andar de baixo, pegou a valise com a mercadoria e abriu a porta.

Antes de ir embora, ele se virou e viu o visitante se arrastar pela escada, com um pedaço da camisa amarrado no ombro, onde fora atingido.

— Prepare-se pois vai ser o último olhar que dará!

Ele atirou o compasso que estava em sua mão. O aparelho, com a ponta seca apontada para o dono da casa, zuniu até o andar térreo e espirrou sangue sobre a valise que ele carregava. Ele gritou, enquanto inutilmente tentava arrancar o compasso do olho.

O visitante cambaleou até o térreo e arrancou o compasso do olho do outro, enfiando-o no outro, que berrou ainda mais.

— Socorro, não consigo ver, não consigo ver! — berrava ele, desesperado.

O visitante jogou-o ao chão, tirou-lhe o compasso do segundo olho furado e preparou-se. Abriu a boca do torturado sem resistência, e pôs a língua dele para fora.

— Espero que isso doa — disse ele.

O derrotado soltou um berro e berrou incansavelmente, até sua língua destroçada ser jogada a um canto da sala. Então, o visitante deu o golpe de misericórdia, e enfiou o compasso no corpo mutilado dele, enchendo seu peito de sangue. Depois mais uma e mais uma, até tirar a vida do pobre torturado.

O vencedor se levantou, meio tonto, pegou as duas valises e a mochila com o dinheiro e se dirigiu à porta. Logo no batente, se voltou e atirou o compasso para cair sobre o corpo mutilado. Com o pouco fôlego que lhe restava, que demorou um tempo para ser restaurado, o visitante olhou para o ex-colega de trabalho, olhou-o atentamente mesmo, e disse:

— Nada pessoal, apenas trabalho.

 

 

















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