Realidade
Um gato estava deitado em um muro, aproveitando o Sol daquela tarde. Um carro azul passou pela estrada, acordando o felino. Este apenas bocejou, saltou para o chão e sumiu entre as folhas.
O carro, porém, parou um pouco depois, em frente a uma belíssima casa amarela com detalhes em rosa. O casal saiu e observou tudo animado. Uma pequena garota, que aparentava ter dez anos, saiu também e olhou a casa.
- É aqui que vamos morar, mamãe?
- Sim, Chihiro? Não é linda?
- É...
Eles entraram e observaram cada canto da casa. Era enorme! Chihiro logo descobriu o tesouro que havia nos fundos. Empurrou uma porta de madeira com alguma dificuldade e olhou.
- Mamãe! berrou Mamãe! Papai! Venham ver que lindo!
Os dois correram até lá e olharam encantados o lindo jardim que havia ali. Parecia um enorme tapete verde com algumas manchas de flores coloridas aqui e ali. Um sonho! Um recorte de um conto de fadas infantil.
- Posso ficar com esse quarto? perguntou a garota, com os olhos faiscando.
- Claro, querida. disse o pai Venha. Vamos pegar suas coisas!
A garota ajudou os pais a carregar as malas escada acima. Quando estava tudo pronto, começou a arrumar o armário. Enquanto guardava as roupas, olhava o jardim e lembrava da aventura que tivera.
Sentindo-se um pouco cansada, caminhou a passos lentos até a varanda. Ficou de bruços, observando aquele verde. Viu a mancha de um gatinho preto correr atrás de uma borboleta. Riu.
- Mal posso esperar para te ver de novo... sussurrou Kohaku...
Ela fechou os olhos e sonhou que segurava as orelhas de um enorme dragão prateado. Sentiu seus cabelos voarem e seus pés se mexerem sem ter onde pisar. Sentiu-se livre, viva, feliz...
- Chihiro? chamou a mãe, entrando no quarto O jantar está... Chihiro! O que pensa que está fazendo?!
A garota tomou um susto. Abriu os olhos e viu que estava de pé no muro da varanda, prestes a pular. Caiu para trás e soltou um doloroso ai!. Levantou-se devagar, esfregando as costas.
- Não faça mais isso! Agora venha, vamos jantar!
Chihiro obedeceu. Colocou os chinelos, ajeitou o cabelo e saiu do quarto. Desceu as escadas correndo e escolheu um lugar na mesa. Enquanto a mãe servia os pratos, ela lembrava daquela casa de banho.
- Chihiro. chamou a mãe Está sem fome?
- Ah, não. Vou comer. disse a garota, pegando os palitinhos.
Já era noite e ela estava aproveitando uma fonte termal com a mãe. Usava um maiô azul e seu cabelo ainda estava preso com o elástico rosa brilhante. Nadava cachorrinho, enquanto pensava na aventura daquele dia.
- Está quieta hoje, Chihiro.
- Ah... Estou só cansada.
- Aconteceu alguma coisa?
- Hum... Nada de mais!
Dizendo isso, ela saiu do laguinho e colocou um roupão rosa. Calçou as sandálias e voltou para casa, que ficava a poucos metros dali. Chegando à porta, assustou-se com o mio de um gato.
- Ah, não me assusta, gatinho! Ei! Você não pode entrar! Espere! disse, segurando o rabo do gato Mamãe não vai gostar. Ah, não me olha assim! Tá bom! Tá bom! Pode ir. Mas se a mamãe te pegar, não venha chorando para mim!
Ela soltou o gato, que saiu correndo e sumiu escada acima. A garota suspirou e subiu também. Foi para seu quarto. O gato estava sentado no muro da varanda. Observava o jardim.
- Também gosta dessa vista, gatinho?
O gato bocejou e coçou a orelha. Espreguiçou-se e deitou ali mesmo, tentando dormir. Chihiro começou a acariciá-lo. Ouviu o pequeno amigo ronronar. Sorriu e olhou o céu. Estava estrelado.
- Como o céu está bonito hoje!
- Como a Chihiro está estranha hoje! disse a mãe, enquanto preparava um café para ela e para o marido Você percebeu?
- Pois é... Ela está mais quieta... Quase não reclama... Quase não fala! Vai ver está com saudades das amigas...
- Será que ela vai ficar bem?
- Calma! É só uma fase! Vai passar! Vai passar...
- Que sono... disse a garota, bocejando.
Ela voltou a ficar de bruços e deitou a cabeça sobre os braços. Ficou observando a paisagem sem muito interesse. Piscou. Piscou. Piscou. Fechou os olhos... Ficou com eles fechados, lembrando de tudo que tinha acontecido. Teria sido um sonho?
Ela estava cansada da atitude despreocupada dos pais. Irritada, saiu daquela barraca e andou até chegar a uma ponte de madeira. Viu que lá embaixo passava um trem. Olhava distraída, quando percebeu que alguém a observava.
- O que está fazendo aqui? perguntou o garoto Não pode ficar aqui. Vá! Antes que escureça! ele a empurrou Eu vou distraí-los!
Chihiro saiu da ponte, ainda sem entender o que acontecia. Sombras estranhas surgiam a sua volta. Começou a ficar com medo. Procurou pelos pais. Não conseguiu achá-los. Desesperou-se.
- Ah!
Chihiro deu um berro e olhou em volta. Estava em casa. Tinha sido um sonho. Um sonho! Apenas um sonho! Mas... Aquilo tinha acontecido... Não tinha? Ela estava sonhando com o que tinha acontecido no início daquele dia.
Mas... Se estava sonhando agora, isso queria dizer que antes tudo fora um sonho também? Quer dizer que aquela aventura toda não passou de um sonho infantil? Não! Não podia ser verdade! Podia? Passou a mão pelos cabelos.
O elástico! pensou, soltando o cabelo Ainda brilha... Foi o que a vovó me deu... Se está comigo, aquilo não pode ter sido um sonho... Então eu estava mesmo apenas lembrando...
Finalmente vencida, Chihiro caminhou até a cama e deixou seu corpo cair. Sentiu-se imensamente bem, agora que estava em uma cama quentinha e confortável. Mexeu-se duas vezes antes de dormir.
Ela correu e correu até chegar a uma escada. Desceu e quase afundou. A escada terminava no mar. Subiu apressada, antes que caísse de vez na água. Viu um navio parando ali perto.
- É tudo um sonho! disse, agachando Um sonho! Vai embora! Vai embora! Some! Some! olhou os dedos Ah! estavam transparentes Estou sumindo! Estou sumindo!
- Estou sumindo! berrou, ficando sentada.
Uma brisa fresca soprou, brincando com seus cabelos. Chihiro olhou em volta e viu que ainda estava no quarto. Estivera lembrando de novo. Com um suspiro, voltou a deitar. Mas várias vezes acordou, lembrando de mais um fragmento daquela aventura.
Estou começando a ficar confusa! Afinal, o que é sonho e o que é realidade?.
Ela abraçou as pernas e apoiou a cabeça sobre os joelhos. Ficou balançando o corpo por um momento. O gatinho miou lá fora e entrou no quarto. Pulou para cima da cama e observou a amiga.
- Aquilo foi um sonho? Foi real? Preciso saber. Não sei de mais nada... Gatinho... Será que eu sonhei com tudo isso? Será que eu sonhei que era Sen? Será que eu sonhei com aquela casa de banho? Será que sonhei com Kohaku? E, se não foi um sonho, como e por que fui parar lá? E como o Kohaku foi parar lá?
O gato olhou para ela e mexeu os bigodes. Claro que não ia responder. Nem tinha como responder. Aliás, nem entendia o que ela falava. Definitivamente, não podia responder.
- E se o Kohaku não existir? E se ele não for voltar nunca mais?
Por alguma razão, aquele pensamento deixou-a triste. Ela não queria que aquilo tivesse sido um sonho. Parecera tão real! Tinha de ser real! Kohaku, Yubaba e todas aquelas outras criaturas tinham de existir! Será...?
Por que sinto tanto a sua falta?
Chihiro limpou algumas lágrimas antes de fechar os olhos. Dormiu. O gato mexeu os bigodes outra vez e deitou também. Mas não dormiu. Ficou observando a amiga, que parecia, enfim, tranqüila.
Chihiro sonhou. Sonhou que era uma bela princesa que vivia em um lindo reino mágico. Havia unicórnios, fadas e outras criaturas esquisitas e magníficas. Ela estava sentada perto da janela. Tinha o cabelo solto. Havia um gato em seu colo.