Conversa perto da fogueira
- Ai! exclamou Torak, deixando as peles que carregava caírem no chão.
Lobo ganiu baixinho, encarando o irmão de alcatéia com um ar preocupado. Torak lhe sorriu e latiu-ganiu para dizer que estava bem.
Com cuidado, agachou-se para pegar as peles, ignorando a intensa dor que sentia em seu peito.
Relaxe, Torak. disse para si A marca se foi. Para sempre...
Ele pegou as peles e as colocou perto de uma fogueira. Encarou o céu. Faltava pouco para anoitecer e uma brisa fresca soprava, brincando com seus cabelos.
- Aff! fez Lobo, virando a cabeça para o oeste.
Torak olhou também e viu um garoto loiro com conchinhas nos cabelos caminhando em sua direção. Era Bale.
- Que bom que te achei! disse o garoto do clã da foca Sabe, acabo de preparar umas armadilhas e pensei que talvez você quisesse ir pescar comigo amanhã de manhã. Prometo não te humilhar pescando mais peixes que você! ele sorriu.
Torak já não prestava atenção. Seu olhar tinha sido atraído por algo muito atrás de Bale. O garoto olhou para trás e fez um ah de compreensão.
- Vá falar com ela.
Torak ergueu as sobrancelhas sem entender e Bale riu. O loiro deu um tapinha em seu ombro e rumou para uma tenda qualquer.
O que ele quis dizer com isso, Lobo? bufou o garoto.
Não houve resposta. Lobo tinha desaparecido misteriosamente. Torak olhou em volta e viu que seu fiel amigo estava deitado aos pés de Renn. Correu até ela.
- Renn?
- Sim? a garota virou-se.
Ela brincava com um graveto seco distraidamente. Sob a luz fraca do crepúsculo parecia tão... diferente. A marca do primeiro sangramento da Lua parecia chamar ainda mais atenção. A marca que dizia que ela estava crescendo.
- Está bonita... ele disse sem pensar.
- O quê? ela o olhou sem compreender.
- Está distraída! Distraída! Foi isso que eu disse! mentiu o garoto, balançando a cabeça.
Lobo rosnou e ficou de pé. Antes que seu irmão de alcatéia pudesse dizer qualquer coisa, sumiu dentro da Floresta.
- Ah... fez Torak.
- Deve ter ido caçar. Renn deu de ombros Sente-se.
O garoto sentou-se ao seu lado e observou enquanto ela balançava e torcia o graveto com as mãos. Ele não quebrava.
- Saeunn deixou que tivesse esta tarde livre?
- Sim. a ruiva deu de ombros.
- Ah...
Ele encarou o chão. Renn pareceu não notar. Continuou torturando o graveto.
- Desculpe... ele disse.
- Pelo que? ela sequer olhou para ele.
- Por tudo...
- Esqueça. ela revirou os olhos.
Ele suspirou e olhou o céu. Viu vários pontinhos brilhando no Alto. Odiava aquele silêncio.
Olhou Renn. Ela era diferente de todas as garotas que já tinha conhecido. Era forte, corajosa e nunca chorava. Ele tinha muita sorte por ter uma amiga como ela...
Se não tivesse sido pela Renn, será que eu ainda estaria vivo?
Ele parou para pensar. Lembrou-se de como ela o salvara quando tinha sido perseguido pelo Clã do Corvo. Lembrou-se de como ela o salvara de morrer afogado e evitara que ficasse cego por causa da luz refletida pelo gelo.
Lembrou-se de como ficara ao seu lado quando ele partiu para as ilhas do Clã da Foca. Lembrou-se de como insistiu em segui-lo quando Lobo sumiu... De como quase deu a vida para destruir a opala de fogo...
De como o ajudou a arrancar a marca dos devoradores de alma... De como o seguiu e o salvou quando ele acreditava não ter ninguém.
Percebeu o quanto a amava e como não seria nada sem ela. Sorriu de um jeito bobo. Isso atraiu a atenção de Renn.
- Está doendo? ela perguntou, indicando seu peito com a cabeça.
- Não.
- Hum... Certo...
- Renn?
- Sim? ela o olhou.
- Obrigado.
- Pelo que? os olhos dela ficaram arregalados.
- Por tudo. Por ficar ao meu lado. Por me salvar. Por me ajudar... Por brigar comigo quando eu precisava enxergar alguma verdade... Obrigado por... ser minha amiga.
Ele abriu outro sorriso e por um instante duvidou do que via. Seria aquilo rubor que subiu pelas faces de Renn? Impossível. Ela nunca corava...
- E-eu... Eu é que agradeço... p-por me aceitar... ela voltou a encarar o graveto.
Torak abriu um sorriso ainda maior e ficou de pé. Passou por trás de Renn como quem não quer nada, agachou-se e cochichou em sua orelha.
- Eu e Bale vamos pescar amanhã. Venha com a gente! Não será divertido sem você!
Ele saiu correndo sem esperar uma resposta. O graveto quebrou nas mãos de Renn.