Um estranho delírio por Jude Melody


 

Um estranho delírio

Ficwriter: Jude Melody
HunterxHunter - drama, romance - original
15 anos - yaoi/male slash - completa


Ele acordou, preguiçoso, sentindo os dóceis raios de sol da manhã acariciarem seu rosto. Viu-se à sombra de um imenso carvalho, cujos galhos se estendiam sobre seu corpo como uma proteção. Ergueu o braço da corrente e observou os elos contra a suave luz que vinha do horizonte, como se desejasse descobrir neles as diferentes cores do arco-íris.

Mas ele só enxergava uma cor, e essa cor era o escarlate. O escarlate dos olhos de seus companheiros. O escarlate do sangue que banhou aquela terra em que ele crescera. O escarlate que crepitava em seu peito, incandescente com o desejo de vingança. O escarlate que o fazia buscar a própria morte como se ela fosse um simples detalhe das misteriosas teias de seu destino.

Um suspiro ao seu lado causou-lhe um sobressalto. Não sabia que tinha companhia. Arriscou um olhar pelo canto dos olhos e encontrou um homem mais velho, imerso em sono profundo. Ele vestia terno e gravata. Devia ser louco! A manhã apenas se iniciava, mas o dia já se fazia quente. Qualquer pessoa normal estaria ofegante àquela hora.

Mas não havia nada de normal naquele homem. A aparência comum era apenas uma fachada. Por trás daquele semblante tranquilo, o jovem Kuruta enxergava algo que nunca imaginara que lhe seria permitido. Ele enxergava a amizade.

Permitiu-se observar o homem que dormia serenamente. Os óculos estavam tortos em seu rosto, e a boca, entreaberta. O Kuruta gostava de contemplar o Paradinight enquanto este dormia. Seu coração sempre se sentia tranquilo nessas horas, pois ele se lembrava de Pairo e das tardes em que os dois ficavam deitados sobre o gramado, vendo as nuvens caminharem preguiçosas pelo céu. Lentamente, inclinou-se sobre o amigo, o pensamento vagueando por lembranças do tempo em que se conheceram.

— Leorio... — sussurrou.

O mais velho acordou com um sobressalto. Abriu os olhos, inspirando fundo, e buscou pela origem do som que o despertara. Um sorriso singelo desenhou-se em seu rosto quando viu os olhos castanhos do Kuruta. Sentou-se em pulo, espreguiçando-se gostosamente ao sabor da brisa da manhã.

— Bom-dia. — disse, com a voz arrastada de sono.

— Bom-dia, Leorio. — respondeu o mais novo.

— Eu dormi muito?

O Paradinight nunca dormia demais quando o Kuruta queria observá-lo, mas é claro que ele nunca lhe diria isso.

— Só por duas horas.

— Muito tempo. — resmungou Leorio, reprimindo um bocejo.

Eles ficaram em silêncio por alguns minutos. Kurapika brincava com os dedos, atento ao tilintar dos elos de sua corrente. Sentiu Leorio segurar sua mão livre e lhe lançou um olhar inquiridor.

— Kurapika... Eu preciso partir.

Ele não respondeu de imediato. Ficou apenas olhando. O semblante do Paradinight agora parecia triste.

— Para onde? — perguntou o Kuruta, temeroso.

Leorio engoliu em seco.

— Longe.

Kurapika desviou os olhos. Fingiu interesse por uma borboleta que voava ali perto.

— E quando você volta?

O suspiro de Leorio alcançou seus ouvidos.

— Eu não sei...

Eles retornaram ao silêncio. Não era preciso dizer o quanto estavam arrasados. Leorio acariciou a mão do mais novo com seus dedos. Nenhum dos dois queria que aquele momento acabasse.

— Vou sentir saudades. — murmurou o mais velho.

— Eu também, Leorio.

— Vai esperar por mim?

A pergunta pegou o Kuruta desprevenido. Voltou-se para o Paradinight em um rompante, os olhos em brasa.

— Claro que vou esperar! Não sabe o quão intensos são meus sentimentos por você?

Ele prensou os lábios. Seu orgulho fora ferido. O Paradinight era o único por quem aceitava engolir o próprio orgulho. E agora o Paradinight tocava suavemente seu queixo, obrigando-o a olhar para ele.

— Não... — disse, com um semblante que o Kuruta nunca vira antes — Intensos são seus olhos.

Eles estavam escarlates. E escarlates permaneceram quando os dois se beijaram.

Kurapika despertou sem aviso. O carvalho desapareceu. A borboleta desapareceu. Em seu peito, o coração batia acelerado. Aos poucos, o pequeno quarto entrou em foco, e o Kuruta viu a escrivaninha diante de si, repleta de livros e papeis. Ele dormira enquanto estudava. De novo. E sonhara com Leorio. De novo.

Mas, desta vez, houvera algo mais. Algo estranho, como um delírio. Ele fitou a taça vazia à sua frente. Ainda havia algumas gotículas vermelhas no fundo. Pegou-a e, impiedoso, lançou-a contra a parede. Pedacinhos de vidro decoraram o chão. A fonte do indescritível sonho fora eliminada, mas a lembrança dele... Ah, a lembrança era outra história!

Furioso, o Kuruta levantou-se da escrivaninha e se dirigiu ao chuveiro, para espantar de seu corpo aquele calor estranho. Estava horrorizado com aquele delírio indiscreto. Estava estarrecido com o eco daquelas últimas palavras em seus ouvidos. Vestiu-se rapidamente, jogou-se sobre a cama e apagou a luz. Estava decidido. Vinho de noite nunca mais!

 

 

















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