O crocitar da morte

Ficwriter: Jude Melody
HunterxHunter - drama - original
15 anos - yaoi/male slash, spoiler - completa


— Shal?

O garoto ergueu o rosto ensanguentado. Tinha a impressão de que ouvira alguém chamar seu nome, mas o parque ao seu redor estava completamente deserto, exceto pelos corvos. As aves voavam de um lado para o outro, espalhando suas penas negras, gritando suas canções ásperas como a morte. Elas tinham o peso de um mau presságio.

— Shal?

Ele piscou lentamente. Sentia as pálpebras pesadas. Mas agora tinha certeza de que ouvira alguém chamar seu nome. Moveu o rosto, alheio ao corvo que se encarapitava sobre seus cabelos. Diante de seus olhos cansados, o espaço vazio foi preenchido por um corpo grande, forte, quase tão peludo quanto as aves eram negras.

— Shal... — chamou Uvogin com pesar.

O garoto não respondeu. Não tinha mais voz. Não tinha mais vontade de viver. Ele só queria fechar os olhos e descansar. Sequer se importava com as aves que bicavam os ferimentos em sua barriga. Para onde estava indo, elas não o acompanhariam. A viagem seria solitária, uma partida não muito diferente de suas andanças no mundo.

— O que fizeram com você? — murmurou Uvogin, os olhos quase fechados de dor.

Um ruído subiu pela garganta de Shalnark, áspero como o crocitar dos corvos. Ele sentiu a voz arranhá-lo ao tentar emergir uma última vez. Frágil, ela tropeçou ao sair de seus lábios, mas conseguiu mover suas asas feridas até os ouvidos do gigante.

— Uvo...

O silêncio que se seguiu só foi interrompido pelas aves. Uvogin fechou os olhos, sentindo a dor que Shalnark já não sentia, e deixou que um pesado suspiro escapasse de seu corpo tenso.

— Ele feriu você.

Shal apenas piscou outra vez. Suas forças estavam se esvaindo. Ele mal ouvia as canções ásperas da morte. Mas ele lutava. Lutava para ouvir as palavras de Uvo. Lutava para ouvir aquela voz que não escutava há tanto, tanto tempo.

— Ele matou você — sussurrou Uvogin.

A realidade caiu com todo o seu peso sobre o rapaz. Uma lágrima surgiu em um de seus olhos, mas as mãos estavam presas ao balanço, e ele não tinha como secá-la. Apenas moveu os lábios débeis outra vez, incerto do que queria dizer.

— Uvo... — Sua voz soou arranhada, gutural. O sangue escorria por seu queixo. — Você veio.

O gigante abriu um sorriso.

— Vim porque você me chamou.

Shal não compreendeu. O ataque fora rápido, certeiro, mortal. Ele não tivera tempo de chamar ninguém. Que força misteriosa fizera com que Uvo fosse a seu encontro? Ele não sabia. Mas se sentia grato.

— Eu ouvi você gritar e vim correndo te ver. — Uvogin encarou-o com seriedade pela primeira vez. — Estou decepcionado. Nunca imaginei que você morreria fácil assim.

A risada que escapou da garganta de Shal era assustadora até para os corvos.

— Hipócrita... Você morreu por muito menos...

Uvo contorceu os lábios. Gostava do senso de humor de Shal. Sem respondê-lo, estendeu os braços, deixando à mostra seu peito largo.

— Venha.

Shalnark quis dizer que aquilo era impossível. Ele estava preso. Os corvos devoravam sua pele. Mas havia uma força na voz de Uvogin que o puxava. A força que ele imaginara ter se esvaído, mas ainda estava ali.

— Eu senti saudades — sussurrou o gigante.

Uma revoada de corvos preencheu o céu daquela noite. No parque, não se ouvia nada além do rangido triste do balanço. Aconchegado nos braços de Uvo, Shal fechou os olhos cansados. E não voltou a abri-los.

 

 

















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