Ela estava sobre a mesinha de centro da sala de estar, decorando o papel da carta como se fosse uma flor. O jovem de olhos dourados estendeu a mão em um gesto automático, tomando para si a correspondência esquecida. Estava a dois passos da cozinha quando o cheiro o atingiu.
— Sangue — disse em tom baixo.
Edward examinou a carta. O envelope era branco, exceto pelas letras cursivas com os nomes e endereços do remetente e do destinatário e pela pequena mancha escarlate que desabrochava perto do sobrenome Cullen.
O vampiro engoliu em seco. Aquele cheiro, ele era inebriante. Penetrava por suas narinas e adentrava seu corpo, contaminando cada tecido, cada célula. Os maxilares trincaram-se, tensos. Fazia meses que Edward não sentia tão profundo desejo. Ele sabia exatamente a quem pertencia o sangue. E o dito cujo estava saindo da cozinha, o dedo na boca.
— Você não está um pouco velho para chupar o dedo, Jacob? — provocou o vampiro, batendo a carta na palma da mão.
— Idiota — respondeu o lobisomem, afastando o indicador dos lábios. — Eu me cortei com o maldito papel. Acho que manchei o envelope.
Edward assentiu e devolveu a carta à mesinha. Voltou seus olhos para Jacob, que subitamente adotara uma postura cautelosa.
— O que foi? — perguntou o quileute com audácia. — Vai me comer?
O vampiro quase riu da ironia daquela frase.
— Não como porcaria, Jacob.
O jovem lobo jogou a cabeça para trás, descrente.
— Ah, tá! Só está dizendo isso porque eu te mataria se tentasse.
Edward sorriu, o que lhe era bastante incomum.
— Depende do jeito que eu tentar te comer.
Jacob não estava prestando atenção. Coçava o peito nu com as unhas sujas de terra, o olhar perdido em algum canto indefinido da sala de estar.
— O quê? — indagou, inocente.
Edward se recompôs.
— O que veio fazer aqui? Sabe que Emmett e Rosalie detestam seu cheiro. Eles o matariam se o encontrassem.
— Estou procurando a Bella — disse o quileute, despreocupado. — Ela está aqui ou você a comeu também?
Não havia dúvidas de que ele usava a palavra no sentido pejorativo. Edward era um vampiro, afinal de contas. Vampiros bebem sangue.
— A Bella não faz parte da minha dieta, Jacob.
O jovem lobo encarou-o. O perigo brilhava em seus olhos.
— Mas você faz parte da minha. Machuque a Bella, e eu mato você.
Edward quase suspirou.
— Não precisa ser assim. Há tempos não tenho intenções agressivas com relação a você.
Jacob relaxou.
— Eu também não.
Os dois ficaram em silêncio por um instante. Jacob mexeu em seus cabelos até soltá-los. Algum pensamento soturno incomodava-o. Edward virou-lhe as coisas e se dirigiu às escadas. Estava tenso. Precisava se afastar do lobisomem o quanto antes.
— Ei — chamou o quileute.
Edward congelou no meio da escada.
— Não que eu me importe, mas... Está tudo bem com você? Parece... Incomodado com alguma coisa.
Edward sentiu o cheiro outra vez. A carta estava longe, mas o cheiro o alcançava. Sedutor. Inebriante. Uma rosa de sangue escarlate.
— Nada. Só um pressentimento... Um sentimento estranho.
Jacob dirigiu-se ao pé da escada. Coçou o peito novamente antes de continuar:
— Tipo o quê?
— Tipo... — Edward hesitou, apoiando-se no corrimão. — Quando você passa a vida inteira ouvindo música barroca e descobre que gosta de rock.
Como era de se esperar, Jacob franziu o cenho.
— Hã?
— Deixe-me traduzir. É como quando você passa a vida inteira comendo salada e descobre que gosta de carne.
O jovem lobo soltou um ruído semelhante a uma risada.
— Claro! Carne é bom.
Edward virou-se para ele.
— O que eu quero dizer — murmurou, apertando o corrimão — é que eu estou apaixonado. Por um homem.
— Hunf! — fez Jacob. — Bem feito! Ninguém mandou beber sangue de veado.
O vampiro não deu atenção à ofensa. Desceu os últimos degraus da escada e repousou o olhar dourado sobre o rosto endurecido do jovem lobo.
— Achei que gostaria de saber.
Jacob balançou a cabeça.
— Não estou nem aí para isso. Não é problema meu...
Edward não recuou.
— Porque o homem é você.
A reação do quileute foi calma, quase pacífica. Ele inclinou a cabeça de lado, deixando os cabelos soltos roçarem seu ombro. Sua voz estava neutra quando respondeu:
— Está bem. Agora é.