— Abre aí! — exclamou o garoto de cabelos negros espetados, dando alguns murros na porta do banheiro.
— Nem pensar! — respondeu uma voz abafada. — Saia daqui, Leorio! Deixe-me em paz!
— Mas por que isso de repente? — grunhiu Leorio. — A gente sempre tomou banho junto.
— Quando tínhamos oito anos! — rebateu a voz.
— Correção: quando você tinha oito anos. Eu tinha nove. — Leorio afastou-se da porta e esfregou sua nuca com a mão direita. Com a esquerda, segurava a toalha que amarrara na cintura. — Vamos, Kurapika, eu estou ficando com frio.
— Já disse que não! — gritou Kurapika, ligando o chuveiro logo em seguida para abafar as palavras do mais velho.
— É porque eu cresci barba antes de você? — provocou Leorio, mas não obteve nenhuma resposta. — Você era mais legal quando éramos crianças!
Ele se sentou no corredor, emburrado. Sentia saudades daqueles tempos menos complicados em que visitava Kurapika e brincava com ele a tarde inteira. Os dois corriam pela floresta que cercava o vilarejo e voltavam para a casa do mais novo completamente sujos de terra e lama.
A mãe de Kurapika arregalava os olhos, horrorizada. O dedo em riste indicava a banheira, e lá se iam os dois meninos tomar banho juntos. Leorio adorava massagear os cabelos loiros de seu amigo, sentindo o cheiro gostoso da espuma. Quando terminavam, um brincava de secar o outro e não raro caíam as duas crianças ao chão, rindo até não poderem mais.
Leorio vivera durante quase um ano no vilarejo Kuruta. Acompanhava seu tutor, o senhor Kenshin, um Hunter inteligentíssimo com sonhos tão altos quanto as estrelas. Kenshin adorava o clã Kuruta e queria compreender tudo, tudo que existia sobre eles. Felizmente, a tribo aceitou-o de bom grado, e, assim como Kenshin tornou-se amigo íntimo dos adultos, Leorio tornou-se o melhor amigo de Kurapika , o loirinho genioso que incomodava todo mundo com suas ideias e sua audácia.
Depois que Kenshin e Leorio deixaram o vilarejo, as duas crianças não se viram mais. Agora, crescidas, elas se reencontravam. Kurapika conseguira autorização para cursar uma faculdade e escolhera a mesma em que Leorio estudava. Este, já adulto e capaz de cuidar de sua própria vida, morava em um apartamento pequeno com seu cachorro dourado chamado Kurode.
No começo, Leorio não coube em si de felicidade. Kurapika tornara-se um jovem muito belo. Seus olhos castanhos brilhavam de um modo encantador e sua voz era simplesmente sexy. Quando Leorio a ouviu pela primeira vez no telefone, não conseguiu conter aquela reação involuntária que adorava importuná-lo nos momentos mais constrangedores.
— Leorio... — dissera o loirinho. — Lembra-se de mim?
— Kurapika? — perguntara o mais velho, surpreso.
A risada que o Kuruta dera parecia ser feita da própria felicidade.
— Que bom. Achei que tivesse se esquecido de mim.
— Nunca. Nunca esqueceria.
Leorio bateu a nuca de leve na parede do corredor. Ele não tinha segundas intenções com o loirinho, apenas queria recordar os velhos tempos. Era verdade! Era verdade, sim, senhor! Decidido, levantou-se e voltou a esmurrar a porta. Kurode passou por ele, abanando a cauda.
Suas tentativas obtiveram algum sucesso. O barulho da água cessou, e a porta se abriu um tiquinho assim. Um olho felino e castanho apareceu na fresta.
— O que você quer agora?
— Tomar banho com você! — respondeu Leorio, resoluto.
Kurapika suspirou.
— Ah, certo.
Ele abriu a porta. Simples assim. Seus cabelos loiros estavam molhados e seu corpo, envolto pela toalha branca. O Kuruta segurava a toalha na altura das axilas. Quanta timidez!
— Foi difícil?
Kurapika revirou os olhos.
— Leorio, caso não tenha percebido, nós não somos mais crianças. Somos homens adultos. Apesar de que eu às vezes tenha dúvidas de qual seja sua idade mental.
Leorio bufou.
— Só por que eu assisto Yu Yu Hakusho? Mas é tão legal. — Ele pigarreou. — “Eu fico louco!”
— Está bem! Está bem! Não precisa começar a cantar! — Kurapika balançou a cabeça. — Céus... Se eu contar no vilarejo, ninguém acredita...
Ele virou as costas para Leorio e caminhou até a banheira, deixando a toalha cair no meio do caminho. O mais velho estagnou, hipnotizado. Olhou do tecido branco do chão para a pele branca do...
— Leorio? — Kurapika virou-se para ele, já segurando a cortina da banheira. — Você vem ou não?
Leorio engoliu em seco. Estava arrependido de sua ideia. Mortalmente arrependido. Aquela reação involuntária estava ali de novo, a maldita. Bem de mansinho, o mais velho fez menção de se retirar do banheiro.
Fim.