Boa-noite

Ficwriter: Jude Melody
Inuyasha - comédia - alternaverse
12 anos - completa


— Bom-dia, senhor Kouga! — cumprimentei com um sorriso, adentrando o enorme hall da empresa a passos largos.

— Bom-dia, senhorita Kagome — respondeu o segurança, assentindo em sinal de respeito.

Eu puxei a papelada para mais perto de meu colo e praticamente saltitei até o elevador. Ainda não era nem meio-dia, e aqueles sapatos já estavam me matando! Com a respiração acelerada e a testa coberta de suor, tentei esticar o braço debilmente para impedir as portas de se fecharem. Alguém foi mais rápido do que eu e apertou o botão na parede.

— Ah! — exclamei aliviada quando as portas voltaram a se abrir. — Obrigada, senhor Kouga!

O segurança (Kami-sama, como ele anda rápido!) sorriu de volta e fez um gesto para que eu entrasse no elevador. Agradeci mais uma vez e segui meu caminho. O sistema de ventilação de teto cumprimentou meu rosto com seu sopro gelado, e eu nem me importei tanto assim de ficar rodeada por homens naquele local claustrofóbico. Apesar de esta empresa crescer cada vez mais, são poucos os cargos ocupados por mulheres. Há quem atribua isso a um suposto viés machista de nossos superiores.

Cheguei ao setor jurídico com alguns minutos de atraso e derramei a papelada sobre a mesa de Sango. Ela arregalou os olhos e por muito pouco não soltou um palavrão. Respondi com um grunhido e desabei na cadeira ao seu lado. Em menos de um segundo os sapatos já não estavam mais em meus pés, e eu me permiti um suspiro de alívio.

— Que dia, hein? — comentou minha colega, puxando os documentos para si. — Ah, você só pode estar brincando! Aquele “adevogado” de novo!

O “adevogado” é um sócio do nosso cliente mais importante. Jovem, bonito e eloquente, Miroku conquista qualquer um com seu carisma. Exceto a Sango. Ela o odeia completamente. Mas talvez seja porque a primeira coisa que ele disse a ela foi “Você quer ter um filho meu?” Certo, certo. Não foi a primeira coisa que ele disse a ela. Foi a segunda. A primeira mesmo eu não me atrevo a repetir.

— Ele só está fazendo o trabalho dele. — Tentei argumentar.

— Pro inferno com isso! — revidou Sango, devolvendo a pasta do processo à pilha com uma violência um pouco maior do que a estritamente necessária.

Não respondi. Quando minha amiga ficava daquele jeito, mais especificamente, quando ela via ou ouvia o nome Miroku, seu bom humor chegava ao fim, e não havia caixa de chocolate que a deixasse feliz de novo. Uma vez, uma das meninas do Departamento de Recursos Humanos, a Rin, trouxe alguns cupcakes para a gente. A Sango simplesmente deu um safanão na bandeja com os docinhos, dizendo que não queria comer nada “de cor roxa”.

Só para constar, roxo é a cor do paletó que o Miroku usa sempre que vem fazer uma visita. É uma cor estranha, eu sei, mas até que fica bem nele. Combina com seu rabo de cavalo.

— Então, como foi o encontro de ontem? — perguntou Sango, puxando uma pastinha no fundo da pilha de documentos para checar a fitinha vermelha que haviam colado nela.

— Ah, nada bem — respondi, amuada. — O Houjo ficou falando sobre ele o tempo todo. Foi meio chato, sabe?

— Hum, e o que você fez? — Sango concluiu que o processo não tinha nada de muito importante e o jogou por cima do ombro, lançando-o na pilha cada vez mais assustadora dos “Fazer sem pressa”.

— Fingi que estava com cólica e fui embora — murmurei envergonhada, enterrando o rosto nas mãos.

— Isso aí! — Mas é claro que minha amiga aprovou.

— Apenas esqueça. Vamos ao trabalho.

— Certo. Certo.

Eu me levantei e peguei de volta a pasta com a fitinha vermelha. Uma rápida folheada, e eu já sabia que aquele era um processo muito, muito importante. Infelizmente, Sango tem essa péssima mania de “fazer justiça com as próprias mãos”. Quando ela vê um processo do qual não gosta, simplesmente o joga na pilha dos “Fazer sem pressa”. Isso normalmente acontece com litígios envolvendo youkais.

É basicamente isso que fazemos aqui na empresa. A Tessaiga foi fundada há mais de duzentos anos e desde então ajuda a manter o equilíbrio entre este e o outro mundo, conhecido como Era Feudal. Enquanto aqui os humanos comuns ainda são a maioria, lá os youkais constituem a maior parte da população.

Durante milênios, esses dois mundos paralelos viveram em guerra. Os youkais queriam o domínio de tudo e não hesitavam em destruir nossas cidades. Até que, um dia, uma mulher chamada Kikyou decidiu “pôr um fim nessa baderna” e colocou todos os monstros para correr. De volta à Era Feudal, eles planejaram uma vingança que poderia destruir os dois mundos, liderados por um youkai poderoso chamado Naraku. Mas Kikyou salvou o dia mais uma vez, derrotando Naraku e convencendo os monstros a assinarem um contrato de paz.

Reza a lenda que o poder da Kikyou adivinha de uma joia mágica capaz de realizar qualquer desejo. E o desejo dela era que os dois mundos pudessem viver em harmonia, sem que humanos e youkais destruíssem uns aos outros. Felizmente, já faz um bom tempo que o contrato de paz está em vigor e, até agora, não apareceu nenhum maluco querendo tocar o terror geral. Mas, eventualmente, surgem uns malucos menores, como os youkais que gostam de vir para cá para “aparecer”.

É exatamente desse tipo de problema que a Tessaiga cuida. Nós somos responsáveis por essa transição entre os dois mundos, tanto de humanos para a Era Feudal, quanto de youkais para a Era Moderna, como gostamos de chamá-la. O curioso é que a ideia da Tessaiga surgiu dos próprios youkais! Melhor dizendo, de um youkai e de uma humana que se amavam. Juntos, eles decidiram dar início a um projeto ambicioso, a fim de manter o contrato de paz firmado por Kikyou.

— Kagome, você tem corretivo aí? — perguntou Sango.

— Ah, sim. Claro. — Eu simplesmente peguei meu estojo e entreguei para ela. — Está aí em algum lugar.

— Obrigada.

Onde eu estava mesmo? Ah, sim. Esse casal teve um filho, um meio-youkai com orelhas de cachorro. Seu nome é InuYasha, e ele é bastante inteligente e bonito. Infelizmente, não foi ele quem assumiu o controle da empresa quando os pais morreram. Foi seu irmão, Sesshomaru. Ele não é o melhor chefe do mundo, mas impõe a ordem como ninguém. Por conta disso, todos aqui na empresa o respeitam bastante. Até porque ninguém está muito a fim de procurar outro emprego caso seja despedido por insolência...

— O que quer dizer “reprochável”? — Sango mordiscava a ponta da caneta enquanto analisava o processo do Shippou, um youkai órfão que conseguiu se matricular em uma escola humana aqui na Era Moderna.

— Reprovável, eu acho — disse, dobrando algumas páginas do processo com a fitinha vermelha para destacá-las. — Esqueceram de juntar a ficha de antecedentes criminais deste cara.

— Ah, tá de sacanagem! — resmungou minha amiga, fazendo uma careta. — Como é que eles prendem esse sujeito e nem ao menos nos mandam os antecedentes dele para nós decidirmos se ele deve ser mandado de volta para a Era Feudal ou não?

A fitinha vermelha é usada para marcar as pastas dos processos de youkais que foram presos aqui na Era Moderna por algum motivo. Nesses casos, nossa empresa atua junto aos tribunais a fim de tomar uma decisão sobre o que se deve fazer. Na pior das hipóteses, simplesmente mandamos o youkai de volta. O problema é que alguns, como este aqui, voltam.

— Precisamos falar com o cartório — murmurei, tateando a mesa em busca do telefone.

— Você é boazinha demais. Eu deixava na pilha dos abandonados — rebateu Sango, referindo-se aos “Fazer sem pressa”.

Arrisquei uma olhada para trás. A mesinha já estava tão atolada de pastas que eu até conseguia ouvir o rangido leve de suas pernas finas. Era só uma questão de tempo até ela rachar, causando um estrondo admirável.

— Eu vou almoçar — disse Sango, pondo-se de pé.

— Mas e o processo do Miroku? Você sabe que ele é chato. Daqui a pouco ele aparece aqui para pressionar a gente e conseguir mais informações sobre o processo de seu cliente.

Sango apenas fez um gesto obsceno. Para a pasta do processo, não para mim. A verdade é que Miroku é advogado de um youkai, e a Sango odeia youkais. Alguns deles destruíram seu vilarejo na Era Feudal, assassinando vários de seus parentes e amigos. Desde então, ela vive aqui, na Era Moderna, analisando os mais variados processos no Departamento Jurídico da Tessaiga. O que ela realmente queria era ser mandada para o Departamento de Defesa Pessoal, que ensina humanos comuns como nós a se defender de ataques de youkais baderneiros.

— Se algum youkai retardado mexer comigo, eu quebro a fuça dele! — Sango costuma dizer sempre que tem chance. Mas, até hoje, isso não a levou ao Departamento de Defesa Pessoal.

Continuei trabalhando, sozinha. Não que eu fique sozinha no Departamento Jurídico. Até porque ele é enorme. Conta com mais de quinhentos empregados. Só no meu setor há trinta pessoas e um youkai tímido chamado Ginta. Ele é um youkai lobo, assim como o senhor Kouga, o segurança. Por conta disso, possui uma espécie de complexo de inferioridade. Os funcionários passam por ele e acham que é só um porteiro.

— Kagome, você não vai almoçar, não?

Percebi, surpresa, que Sango já havia retornado. Em resposta, apenas dei de ombros. Não estava com fome. Além disso, havia muito trabalho para fazer. Nós não cuidamos apenas de processos criminais. Na verdade, praticamente tudo passa por aqui mais cedo ou mais tarde. Eu estava ocupada com um processo muito confuso de adoção. Um casal de humanos queria adotar um filhote de youkai. Acontece que eles já tinham um filho biológico, e o filhote o havia mordido. Por causa disso, o tribunal queria proibir a adoção, argumentando que o youkai representaria um risco para o bebê humano.

— Sango, ajude-me... — implorei.

— Sem problemas!

Então, ela simplesmente pegou a pasta e a atirou na pilha dos “Fazer sem pressa”. Uma hora depois, eu finalmente me levantei. Juro que ouvi um monte de coisas estalarem ao mesmo tempo. Consegui me arrastar até o refeitório e comprei um sanduíche e um copo de café tamanho família para comer no almoço.

Enquanto mastigava, vi um jovem de vestes vermelhas e longos cabelos brancos caminhar por entre os sofás com uma caneca fumegante nas mãos. Ele era escoltado por um grupo de humanos de terno e gravata, dentre eles um louco simpático com rabo de cavalo. Reconheci Miroku de longe. É, ele estava mesmo avançando! Participando de reuniões com o vice-presidente da empresa!

InuYasha, irmão mais novo de Sesshomaru e vice-presidente, dispensou os engravatados com um gesto e se sentou em uma poltrona de frente para mim. Como era de se esperar, eu senti um súbito interesse por meu café e voltei a tomá-lo em grandes goles, evitando qualquer contato visual com meu superior.

Não demorou muito para que Miroku me visse. Eu tentei, tentei mesmo dispensá-lo. Mas o “adevogado” apenas me seguiu até o Departamento Jurídico. Seu primeiro passo em minha sala foi seguido por um rápido e brilhante recuo. Sango havia atirado um porta-lápis de plástico na direção dele. O pobre objeto se espatifou na parede, espalhando cacos de plástico e canetas para todos os lados.

— Opa! Que violência, senhora!

— Cala a boca, seu maldito! — bradou Sango, completamente alterada pela raiva.

Miroku era impassível.

— Também senti saudades, querida.

— À merda! — Ela respondeu, dando-lhe um safanão quando ele tentou cumprimentá-la.

— Você quer ter um filho meu?

Resumindo, meu dia foi completamente normal. Quase enlouqueci com as brigas de marido e mulher entre a Sango e o Miroku (que ela não me ouça dizer isso!), quase tive um ataque cardíaco quando o Sesshomaru em pessoa (ou talvez eu deva dizer “em youkai”) apareceu na minha sala, seguido de perto por seu fiel assistente, um youkai baixinho chamado Jaken, a fim de nos informar acerca de um “processo quente” que demandaria nossa total atenção na próxima semana, e definitivamente tive um colapso nervoso quando ligaram do cartório para avisar que aquele youkai do processo com a fitinha vermelha que eu havia analisado mais cedo possuía cinquenta anotações em sua folha de antecedentes criminais e, a propósito, tinha acabado de fugir da cadeia.

Eu só terminei de fazer minhas coisas por volta das nove horas da noite. Exausta, olhei à minha volta, mas não havia mais ninguém. Sango teve de sair mais cedo, porque seu irmão mais novo, Kohaku, ligou dizendo que a gatinha deles, Kirara, estava passando mal. A Kirara é o único youkai por que Sango já desenvolveu afeto na vida. Morro de inveja dela por vir para o trabalho todos os dias literalmente voando na garupa de Kirara.

Sozinha na sala, arrumei minhas coisas e apaguei a luz. Estava a caminho do hall de entrada quando me lembrei de uma coisa importante. A moça do cartório pediu para eu separar alguns documentos sobre o youkai fugitivo. Acontece que eles estavam guardados no depósito do Departamento Jurídico, que está sempre vazio a essa hora da noite.

Bufando, dei meia volta, catei a chave reserva do depósito com a Rin do Departamento de Recursos Humanos (nunca entendi porque as chaves reservas ficam lá), despedi-me dela e voltei para minha sala para me certificar de que havia deixado tudo em ordem. Ela não havia ficado mais aconchegante durante meus breves minutos de ausência. Peguei um atalho até o depósito, andando a passos rápidos. Não que fosse necessário. Não havia ninguém para obstruir o caminho.

Chegando a meu destino, abri a porta, deixando a chave reserva do lado de fora. Como já imaginava, a luz não estava funcionando, então saquei meu celular para obter um pouco mais de luminosidade. Enquanto olhava as pastas de documento uma a uma, um estrondo me deu o maior susto, ao mesmo tempo em que eu me via mergulhada na mais profunda escuridão. A porta! Merda. Merda. Merda.

Caminhei até ela e tentei empurrar a maçaneta para baixo, mas ela simplesmente soltou na minha mão. Xingando baixinho, tentei encaixá-la de volta e ouvi um som metálico do outro lado na porta. Quando a retirei de novo da fechadura, vi um pequeno buraco e me dei conta do que era aquele ruído.

Fiz uma última tentativa de encaixar a maldita maçaneta, mas não importava o quanto eu a empurrasse para baixo, a porta não abria. Procurei a chave reserva, mas não estava comigo. Merda. Merda. Merda. Pensei em ligar para a Sango. Era minha única esperança. Mas a bateria do meu celular decidiu morrer justo naquele instante. Mas que po...

Desesperada, comecei a berrar e a esmurrar a porta. Alguém tinha de me ouvir. Alguém simplesmente tinha de me ouvir! Mas já eram nove e quarenta, e eu estava sozinha no Departamento Jurídico. Sozinha e presa em um depósito escuro.

Balancei a cabeça. Não. Eu não ia chorar. Gritei de novo. Esmurrei a porta. Rodei o depósito inteiro, tateando aqui e ali em busca de outra chave reserva. Devia haver uma ali dentro, certo? Para emergências como essa. Não achei. Encontrei uma caixa com alguns objetos perdidos e retirei dali o que parecia ser uma lanterna. Felizmente, ela estava com pilha.

Peguei algumas folhas de papel em branco em um arquivo e usei minha única caneta para escrever uma mensagem. Passei a folha por baixo da porta. A fresta era larga o suficiente para isso, pelo menos. Minutos depois, fiz a mesma coisa de novo. E de novo. E de novo.

Esmurrei a porta mais uma vez. Gritei. Chorei. Falei todos os palavrões que conhecia. Até contei piada de ponto e ri histericamente como se fosse louca. Talvez eu fosse mesmo. Estava presa há menos de uma hora e já começava a perder a noção das coisas. Além disso, estava faminta. Por que comi um simples sanduíche? Por que não almocei de verdade, como Sango vive insistindo para eu fazer?

Quando minha voz já estava rouca, e minha garganta, doendo, eu me encolhi em um canto, abraçando minhas pernas. Encostei a testa nos joelhos e chorei baixinho, pensando no quão horrível seria minha noite ali dentro. A verdade é que eu tenho medo do escuro e detesto locais apertados. Eu me sentia sufocada ali dentro. Parecia até que ia morrer por falta de ar. E ali dentro era quente. Muito quente. Achei que só me restava deitar no chão e esperar o dia amanhecer.

— Tem alguém aí? — perguntou uma voz longínqua.

Tive um sobressalto. Não sabia se aquela voz era só minha imaginação me pregando uma peça. Esperei em silêncio.

— Olá? Tem alguém aí?

Alguém veio! Alguém veio! Alguém veio!

— Aqui! — exclamei. — No depósito!

Ouvi o som de passos. Fosse quem fosse, estava se aproximando.

— Senhorita Kagome?

— Sim! — berrei, ignorando minha rouquidão. — Sou eu!

Alguém abriu a porta, e um suave feixe de luz inundou o pequeno cômodo. Extasiada, fiquei de pé no mesmo instante e corri para meu salvador, atirando-me em seus braços.

— Obrigada! Obrigada! Obrigada!

— Senhorita Kagome? — Ele respondeu, afastando-me com delicadeza. — A senhorita está bem?

A surpresa quase fulminou meu coração. Era Kouga! Kouga, o segurança! Ele olhava para mim com seus olhos verdes, parecendo preocupado. E eu acho que estava mesmo. Imagina só o meu estado quando ele me encontrou!

— Ah, desculpe — murmurei, recompondo-me. — Eu não queria...

— Tudo bem. Isto é seu? — Ele perguntou, indicando com um gesto as folhas de papel espalhadas pelo chão.

— Ah, bom... Sim... Bem...

— Precisa tomar cuidado, senhorita Kagome. Se não fosse por mim, a senhorita ficaria presa aqui até amanhã de manhã.

— Eu sei... — Esfreguei o braço, envergonhada. Não que ele estivesse usando um tom de censura. Nada disso. Ele estava sendo amável, até. Eu é que sentia vergonha por ser tão burra.

— Não se esqueça nunca, senhorita Kagome. — Ele pegou minha mão e depositou alguma coisa em minha palma. Era a chave reserva que eu havia pegado com a Rin. — Sempre entre nos depósitos com a chave em suas mãos.

Apesar de tudo, consegui esboçar um sorriso.

— Obrigada, senhor Kouga.

— Não há de quê, senhorita Kagome. Venha. Está tarde. Deixe-me acompanhá-la até o metrô.

Não discuti. Apenas peguei minhas coisas e o acompanhei. No elevador, eu me lembrei dos documentos que tinha de pegar e fechei os olhos, lamentando mentalmente. Kouga me fitou por um momento, preocupado.

— Está tudo bem, juro. — Eu disse. — Só com um pouco de dor de cabeça.

Saímos juntos para a noite fresca. A essa hora, apenas os seguranças noturnos estavam no local. Muitos deles eram youkais. Eles acenaram alegres para o Kouga e depois se encolheram. Surpresa, percebi que a razão disso era eu. Eles ficaram constrangidos por eu ser do Departamento Jurídico da empresa e, portanto, na visão deles, pelo menos, uma pessoa importante.

— Vamos? — chamou Kouga.

— Vamos.

Nós caminhamos juntos pelas ruas desertas. Normalmente eu morro de medo de andar pelo centro da cidade durante a noite, mas sei que nenhum humano ou youkai me atacará com Kouga ao meu lado. Ele até que é bem forte, e o rabo de cavalo balançando de um lado para o outro enquanto andávamos me lembrava uma cauda de lobo.

— Senhor Kouga, posso te perguntar uma coisa?

Ele piscou surpreso por eu lhe dirigir a palavra. Acho que havia se acostumado ao silêncio. Ou talvez só não imaginasse que eu pudesse puxar assunto.

— O que quiser, senhorita Kagome.

— Como... Como foi que o senhor me encontrou?

— Ah... — Ele abaixou a cabeça, parecendo muito tímido de repente. — Eu ouvi seus gritos e...

— Mas o Departamento Jurídico fica no nono andar, e você dificilmente sai do térreo! — argumentei.

— Sim, é verdade...

— Então, como?

— Bom. — Ele inspirou fundo. — É porque... Eu não ouvi seu “boa-tarde” no final do dia.

Eu quase estanquei com essa resposta.

— O quê?

— Existem cerca de três mil e quinhentos e noventa e sete empregados humanos na Tessaiga. — Ele explicou. — Dentre os quais temos juristas, psicólogos, intérpretes, tradutores, contadores e etc.. — Então, olhou diretamente para mim. — A senhorita Kagome é a única que me diz “bom-dia” e “boa-tarde” todos os dias. E, às vezes, “boa-noite” — completou com um sorriso tímido.

Eu senti minhas bochechas corarem. Nunca parei para pensar em uma coisa dessas! Sempre achei tão natural cumprimentar o senhor Kouga ao entrar e sair da empresa. Afinal, ele é tão gentil comigo e sempre segura a porta do elevador para mim quando estou carregando muitos documentos.

— Então, quando deu meu horário, eu estranhei não ter ouvido ainda nenhum “boa-noite”. Eu perguntei a meus amigos faxineiros, e eles confirmaram que o Departamento Jurídico estava vazio. Um dos seguranças me chamou para ir embora, mas eu achei melhor seguir minha intuição e subi até o nono andar. A princípio, eu não ouvi a senhorita Kagome. Mas, depois de rodar quase todos os andares, decidi voltar. Foi então que ouvi um choro dentro do depósito e imaginei que talvez fosse a senhorita Kagome. E era.

— Puxa, senhor Kouga... — arfei, estupefata com aquela história. — O senhor me salvou! Muito obrigada! Muito obrigada, mesmo!

— Não, senhorita Kagome. — Ele parou de andar e me lançou um olhar sério. — Eu é que agradeço. Seus cumprimentos me fazem sentir especial. Como se eu fosse alguém importante. Como se eu não fosse... — Ele hesitou por um instante. — Invisível.

Senti uma pontada no coração. Aquelas palavras soavam normais a meus ouvidos humanos, mas eu sentia claramente a angústia por detrás delas. Quando olhei para o Kouga, ele estava sorrindo. Meio triste, mas sorrindo.

— Eu não sabia... — murmurei, a voz aguada pelo choro que subia por minha garganta.

— Por isso mesmo era especial.  — Ele respondeu. — Porque, para a senhorita Kagome, minha condição social não fazia diferença.

Balancei a cabeça, lutando contra as lágrimas. Aquela noite já havia sido suficientemente humilhante. Eu não precisava cavar ainda mais o meu buraco da vergonha.

— Lenço? — Kouga estendeu um pequeno quadrado de pano para mim. — Está limpo. Eu juro.

Eu dei risada com aquele gesto inusitado e usei o lenço para secar os olhos. Consegui abrir um sorriso e acho que isso foi o bastante para Kouga.

— Muito melhor. — Ele me disse.

Percorremos o resto do caminho em silêncio. Eu tentei pagar a passagem de Kouga em sinal de agradecimento, mas ele não deixou. Disse que estava tudo bem. Ele usaria seu vale transporte. Na plataforma quase deserta, esperamos nossos trens. Era ali que nos separávamos. Eu iria para a zona sul da cidade, onde vivem os mais abastados; humanos, de uma forma geral. Ele iria para a última estação da zona norte, onde vivem os mais pobres e os youkais rejeitados. Senti aquela pontada no coração de novo.

— Prometa-me, senhorita Kagome...

Assustada, olhei para ele.

— Que não vai mais se trancar no depósito.

Se fosse outra pessoa falando, eu pensaria na hora que era algum tipo de gozação, mas o Kouga era correto demais para fazer esse tipo de coisa. Eu dei um soquinho de leve em seu baço. E o meu metrô chegou.

— Bem, é isso — murmurei, levantando-me do banco em que estávamos sentados. — Obrigada de novo.

Ele fez um gesto, dispensando meus agradecimentos.

— Volte bem, senhorita Kagome.

— Você também, senhor Kouga.

Ouvi o som que indicava que as portas estavam prestes a se fechar e corri rapidinho para o vagão mais próximo. Antes de me sentar de novo, olhei para trás e encontrei os olhos verdes de Kouga. Ele ergueu o braço, acenando para mim.

E eu disse baixinho “boa-noite... Kouga”.

 

 

















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