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Ergo meus olhos e encontro você encostado no batente da porta, ofegando. A água escorre por suas roupas, formando uma pequena poça no chão. Com um sorriso no rosto, eu me levanto, fecho o livro que estava estudando e o bato de leve na sua testa, só para testar sua reação. Você faz uma careta e empurra o meu braço. Diz a palavra que eu adoro ouvir:

- Leorio.

Afasto-me apenas o suficiente para te deixar entrar na sala.

- Boa-noite, princesa! Como foi sua missão?

Você me fulmina com o olhar, e eu sinto o riso subir por minha garganta. É tão fácil te provocar sabia? Eu poderia passar horas fazendo isso. Mas, ao invés de infernizá-lo com palavras, vou até a cozinha e preparo um chocolate quente enquanto ouço o som do chuveiro. Sei que você está tomando banho e que vai demorar.

Quando você retorna, vestindo apenas aquelas roupas leves, minha vontade é de te pegar em meus braços e rodar com você como se estivéssemos em uma valsa. Nós nos sentamos a mesa e pegamos nossas canecas de chocolate quente. A minha tem o símbolo da Medicina. A sua tem o desenho de um gatinho.

Começo a rir quando você fica com um bigode de chocolate. Isso te irrita. Você faz um comentário para tentar me provocar, mas eu apenas dou de ombros e continuo bebendo. Quando o vejo se levantar, espero até que alcance o batente da porta e digo:

- Vai dormir, princesa?

Você se vira em um rompante e lança a corrente na minha direção, só de brincadeira. Eu me jogo sobre o piso e finjo agonizar de dor enquanto seguro os elos frios como seu coração. Você logo se aproxima, sorrindo, e eu vejo seus olhos verdes brilharem. Minha alegria é tanta que eu poderia te beijar agora mesmo.

Quando a meia-noite chega, vou até seu quarto com duas taças de vinho nas mãos. Você está sentado diante da escrivaninha, estudando alguns documentos. Recosta-se na cadeira e estica os braços para trás, espreguiçando-se. Depois se vira para mim com um sorriso cansado.

- Trabalhando muito? – pergunto, entregando-lhe uma das taças.

- Eu estou juntando informações sobre um local em que pretendo ir. – você responde, balançando a taça de leve para ver o vinho rodar.

- E que local é esse? – eu me sento sobre a escrivaninha e olho os papéis. Tento parecer sexy, mas acho que você não presta atenção.

- A floresta Kokiri. – você puxa um mapa com a mão livre – Fica a milhares de quilômetros daqui. Vai ser uma viagem longa.

- Você precisa mesmo ir? – resmungo. Não gosto de quando você vai embora desse jeito.

- Claro que eu preciso, Leorio. – você diz com impaciência, mas o som do meu nome ainda soa como uma música aos meus ouvidos – Existe uma pessoa lá que pode me ajudar a encontrar os olhos restantes.

- Mas você tem trabalhado tão duro nisso... – tentei argumentar – Por que não descansa?

- O Genei Ryodan não descansa, Leorio. – você suspira – Não posso ficar parado.

- Mas você prometeu ir comigo ao museu. – choramingo. Eu sou muito chato às vezes. Sei disso.

- Sinto muito, Leorio. – o suspiro parece mais longo – Eu não gosto de quebrar promessas assim. – você me encara com seus olhos verdes – Mas eu preciso ir.

Fecho os olhos, contendo as palavras que gostaria de proferir. Na verdade, o que eu realmente queria era pegar você nos meus braços e dar um beijo em seus lábios. Quem sabe assim você não decidiria ficar?

- Prometo ir com você ao museu quando voltar. – você diz, tentando soar confiante.

- Promete mesmo? Não vai quebrar essa promessa também? – pergunto com rispidez.

Você abaixa a cabeça. Percebo que está triste. Mas você também é muito orgulhoso. Para disfarçar seu constrangimento, começa a bebericar o vinho. Dá para ver que gostou dele. Até lambe os lábios em sinal de deleite. E seus lábios ficam levemente tingidos de vermelho, dando um pouco de cor a seu rosto pálido.

- Às vezes acho que você não está nem aí para mim. – lanço a facada. Você vai ter de me perdoar por isso... Sabe como eu sou genioso.

Mas, então, você me surpreende. Coloca a taça na mesa e, sem olhar para mim, começa a dizer:

- Você se lembra de quando prestamos o Exame Hunter?

Essa pergunta me desperta completamente.

- Ora, é claro que eu me lembro. Foram os melhores dias da minha vida!

O som do riso escapa dos seus lábios, e eu fico feliz por fazê-lo sorrir.

- Lembra-se daquela fase extra? Do navio...

Ah, nem precisa me dizer. Aquele foi um dos momentos mais desesperadores do Exame, mas, também, um dos mais fantásticos. Todos se uniram para pôr o plano em prática. Todos unidos pelo medo e pelo desejo de sobreviver.

- Claro que eu me lembro. O que tem ele?

- Quando você caiu no mar... – você diz, e meu coração dá um salto mortal no peito – Eu fiquei confuso. Queria esperar por você... Esperar para saber se conseguiriam te salvar. – agora você está contornando a boca da taça com a ponta do dedo, produzindo um som baixinho, quase uma música – Mas eu sabia que não podia ficar parado por muito tempo. E me perguntei o que seria de mim se você morresse.

Engulo em seco. Nunca esperei ouvir uma declaração dessas assim, sem mais nem menos. Para disfarçar, bebo um pouco do vinho.

- Você não aguentaria a responsabilidade de tomar a decisão que poderia significar a morte de um de seus companheiros?

Estou apenas usando a lógica. Você era o responsável por tomar as decisões. E, naquele momento, tinha de agir rápido. Havia muitas vidas contando com você.

- Não.

De novo esse salto mortal estúpido. Arrisco olhar na sua direção. Você vira o rosto. Seus olhos verdes encontram os meus. Vejo uma sugestão de sorriso em seus lábios.

- Eu não sabia o que seria de mim se você não voltasse. Se, ao final do dia, eu me desse conta de que não havia feito nada para te salvar.

- Porque... eu confiei em você? E você queria retribuir isso? – arrisco uma resposta, temendo suas próximas palavras.

Mas você me surpreende.

- Não. – você inspira fundo, os olhos fechados – É porque eu gostava de você, Leorio.

Sinto o rubor dominar meu rosto. Que bom que você não está olhando para mim. Ah, essa não! Você está abrindo os olhos! Eu não aguento esses seus olhos verdes!

- E algo me diz... que você gostava de mim também.

Esse é o momento perfeito. O momento perfeito! Mas você sabe como eu sou um completo idiota. Em apenas alguns segundos, consigo estragar tudo.

- É porque ninguém consegue resistir ao meu charme, princesa! – digo estupidamente, erguendo a taça de vinho.

Você apenas ri e balança a cabeça. Bebe o restante do vinho e lambe os lábios mais uma vez. Apoia o cotovelo na mesa e repousa o queixo sobre a mão. Olha pela janela com um ar pensativo, quase sonhador.

- Era você quem sabia. E apenas você...

Eu não entendo essas palavras. Só consigo pensar em nossa conversa nos destroços da embarcação Kuruta. Você parecia arrasado. Eu queria respeitar seu espaço, mas, ao mesmo tempo, estava preocupado com você.

- Leorio.

Viro o rosto, sedento por meu nome.

- O que você quis dizer com “melhores dias da minha vida”?

- Ah... – eu passo a mão na nuca, desconfortável – Não é óbvio? Foi por causa do Exame Hunter que eu conheci vocês. Isso me fez muito feliz.

- Vocês... – você repete, ainda olhando o céu lá fora.

Eu termino de beber o vinho e coloco a taça ao meu lado. Sinto uma sensação estranha aqui dentro que não tem qualquer ligação com o álcool.

- Leorio?

Viro o rosto mais uma vez. Encontro seus olhos verdes me encarando.

- Você gostava de mim?

Essa conversa está tomando um rumo cada vez mais perigoso.

- Por que a pergunta súbita, Kurapika? – pergunto, tentando disfarçar o nervosismo.

Você se recosta na cadeira de novo. Seu semblante parece tão triste. Eu quase me odeio por te deixar assim.

- Porque você foi meu primeiro.

- Amigo? – arrisco, sentindo aquela sensação aumentar cada vez mais.

Você vira o rosto, encarando-me. É possível me perder em seus olhos verdes.

- Amor.

- Kurapika... – sussurro.

Vejo você ficar de pé e se aproximar de mim. Acho que se atrapalha com as próprias pernas, porque estende os braços e agarra a gola de minha camisa. Quando ergue o rosto, seus lábios estão a centímetros dos meus.

- Você está bêbado?

Sinto o cheiro de vinho golpear meu rosto quando você solta um suspiro. Com um pouco de tristeza, permito que se afaste de mim.

- Droga...

- Você tem baixa tolerância ao álcool! – digo com humor – Eu não sabia disso! Devia ter me avisado!

- Eu achei que fosse um vinho fraco. – você responde, corando. Ah, nossa, você está corando!

- Mas ele é fraco! – agora estou rindo de verdade – Quem diria que você se abriria tanto com um só golinho de vinho, hein?

- Ah, cala a boca! – você diz.

Percebo, pelo seu tom de voz, que está magoado. Ainda rindo, acompanho você até a entrada do quarto. Quando gira a maçaneta, eu empurro a porta delicadamente, fechando-a. Envolvo seu corpo com meus braços e encosto meu rosto em sua nuca.

- Desculpe.

- Você é idiota... – você resmunga, ainda chateado.

- Mas a resposta é sim.

Silêncio.

- Sim? – ouço a hesitação em sua voz.

- Sim. Eu gostava de você, Kurapika.

De todas as respostas que eu esperava, de todas as declarações que imaginei, você me vem logo com a última coisa que eu poderia prever:

- Droga.

Eu começo a rir, e te obrigo a virar e olhar para mim. Ah, esses seus olhos verdes! Eu te dou um beijo antes que você tenha chance de reagir. Acho que te pego de surpresa, porque você abre a boca, soltando uma exclamação. Nem por isso eu interrompo meu gesto de carinho. Logo você está cedendo. Não chega a corresponder, mas também não resiste. Acho que está confuso. Ou bêbado mesmo, porque suas pernas tremem, e eu preciso segurá-lo pelos ombros para você não cair no chão.

- E ainda gosto. – digo, deleitando-me com a visão de seus lábios vermelhos. Vermelhos do beijo. Eu gosto de ver essa cor em você. Ainda mais quando ela é provocada por mim.

- Leorio... – você murmura, os olhos arregalados de surpresa.

- Pode dizer isso de novo? – abro um sorriso enorme – Adoro ouvir você dizer meu nome!

- Leorio.

- Hum, diga mais! – eu peço, fechando os olhos.

- Está doendo.

- O quê?

Abro os olhos e percebo que ainda estou segurando seus ombros. E com força. Muita força. Desconcertado, afasto-me de você.

- Mas e quanto a você? – pergunto.

- O quê?

- Você gosta de mim?

Um sorriso surge em seu rosto. Você inclina a cabeça para o lado.

- Gosto!

Oh, que gracinha! Nunca imaginei que sua paixão pudesse fazê-lo agir assim! Ou talvez seja só o vinho mesmo.

- Ei, eu tenho uma ideia. – digo, segurando suas mãos.

- O quê? – você me lança um olhar curioso.

- Vou à floresta Kokiri com você!

- É perigoso, Leorio! – você argumenta na hora.

- Eu sei. – digo, dando um beijo em sua testa – Por isso eu vou lá te proteger.

Aí está o sorriso de novo. Como você é fraco para vinhos, Kurapika!

- Tá! – diz, alegre, inclinando a cabeça de novo.

- Mas você ainda vai ter de ir ao museu comigo, ouviu?

Vejo você bocejar. Um bocejo longo e cansado.

- Tá...

- Está com sono, não é? – eu afago seus cabelos, admirando seus olhos fecharem levemente sob o peso das pálpebras – Venha, vamos dormir.

- Tá...

Essa confiança que você tem em mim sempre me impressiona. Bêbado ou não, você sempre me escuta. Da sua própria forma, é claro. E eu só quero retribuir essa confiança. Quero estar à altura de ser o seu primeiro amor.

- Quando você acordar amanhã... – digo, puxando o cobertor para cobri-lo – Não vai se lembrar de nada disso, não é?

- Não. – você responde, aconchegando-se no travesseiro.

- E vai me chamar de tarado se eu tentar te beijar, não é?

- Vou. – você fecha os olhos.

A última pergunta é a mais difícil.

- Mas ainda vai me amar em segredo... Não vai?

Eu espero pela resposta. Espero por tanto tempo que chego a pensar que você já caiu no sono. Mas você não me decepciona.

- Vou.

A felicidade explode em meu peito. Eu poderia sair nas ruas dançando e cantando, de tão feliz por saber que você me ama. Me ama de verdade! Apago a luz do quarto e fecho a porta. Deixo você dormir em paz. Acho que fui injusto em meu julgamento. Seu coração não é frio. Você é apenas reservado e tem dificuldade de confiar nos outros. Por isso, sinto-me honrado por você confiar em mim.

Vou para meu próprio quarto, tentando conter a vontade de gritar de alegria. Sei que amanhã tudo voltará ao normal, mas, por enquanto, quero me concentrar no que estou sentindo. Essa sensação dentro de mim é mágica, inebriante, preenche minha vida com um novo sentido. Essa sensação maravilhosa proporcionada pelo amor! Ou talvez seja só o vinho mesmo.