A vidente

Ficwriter: Jude Melody
HunterxHunter - drama, romance - darkfic
12 anos - completa


O jovem Kuruta parou na entrada daquela casa sombria e suspirou. A noite estava fria e o vento soprava sem dó ou compaixão, brincava com seus cabelos loiros e com a longa capa negra.

O Hunter subiu as escadas de madeira velha, ficando diante da porta principal. Respirando fundo pela última vez, bateu e esperou pela resposta. O vento pareceu parar de soprar por alguns segundos.

- Entre. – disse uma voz.

A porta abriu-se magicamente, produzindo um rangido irritante e enferrujado. Kurapaika entrou no salão bem lentamente. Seus passos ecoavam na madeira empoeirada do chão.

- Olá? – disse, sentindo um pouco de medo.

Uma risada soou, vinda do fundo da casa, de algum cômodo no andar de cima. O Kuruta mirou a enorme escadaria a sua frente, sentindo um arrepio estranho.

- Venha. – ordenou a voz oculta.

Ele engoliu em seco e começou a subir a escada. A cada passo, fazia com que uma pequena nuvem de poeira se soltasse do degrau pisoteado e, ocasionalmente, ouvia um gemido estranho.

Enfim chegou ao topo da escada. A sua frente, havia uma porta entreaberta. Ele a empurrou.

O que viu em seguida só poderia ser descrito como bizarro. Estava em um quarto escuro e empoeirado. O ar dali era pesado e poluído e havia teias de aranhas em todos os cantos.

A sua direita havia uma cama antiga, daquelas que possuíam uma cortina em volta, um criado mudo e um espelho rachado. A sua esquerda, havia uma estante de madeira antiga, uma mesinha e alguns panos sujos jogados de qualquer jeito no chão.

Diante dele, havia uma mesa totalmente coberta por um manto de seda branco cuidadosamente rendado, uma janela, duas finas cortinas azuladas e uma sombra aninhada em uma cadeira confortável.

- Seja bem vindo. – disse a sombra.

Kurapaika olhou em volta mais uma vez, gravando na mente cada mínimo detalhe. As manchas escuras nas paredes, os buracos no chão, os crânios, os livros e as taças de cristal na estante...

A luz da Lua que penetrava pela janela era azulada pelas cortinas finas e mergulhava o cômodo em um tom de cor fantasmagórico.

Aquele quartinho pequeno e escuro era cheio de segredos macabros.

- Jovem Kuruta... – a sombra voltou a falar.

Kurapaika mirou-a com seus olhos azuis como o mar e retirou da cabeça a boina escura que usava como disfarce. Seu coração ainda batia acelerado, mas ele sabia que estava fora de perigo.

Por enquanto...

- Cara vidente... – ele disse em tom respeitoso, ficando de joelhos para fazer a reverência – É um prazer conhecê-la.

- O prazer é todo meu. – ela retrucou em tom brincalhão – Último sobrevivente da tribo Kuruta.

- Eu... – ele murmurou, ficando de pé – Eu gostaria que não fizesse esse tipo de brincadeira comigo.

A sombra soltou um risinho e balançou a cabeça, como se as palavras do Hunter parecessem uma piada de criança.

- O pequeno Kuruta é orgulhoso! Quem diria?! Gosto de pessoas assim. São as mais ousadas... – ela sussurrou, apoiando o cotovelo direito na mesinha – Diga-me... – pediu, pousando o queixo sobre a mão direita – Você tem medo?

Kurapaika olhou em volta, tentando ignorar os sorrisos sombrios dos crânios empoeirados, e voltou a mirar a vidente.

- Não entendi sua pergunta.

A risada que se seguiu foi quase escandalosa. A sombra jogou a cabeça para trás, gargalhando. Ao recuperar seu autocontrole, voltou a fitar o Hunter.

- Sim... Eu adoro o seu tipo.

O jovem Kuruta hesitou. Sentia um forte impulso de se virar e disparar daquela casa sombria. Mas não poderia fazer isso. Não tinha medo... Tinha?

- Não costumo receber muitas visitas... – murmurou a vidente, brincando com uma mecha de seus cabelos – A maioria tem medo de mim... Acha que sou apavorante?

Ela abriu um sorriso. Tinha longos cabelos negros como a noite, um pouco ondulados e macios como penas de ganso. Seus olhos escuros e profundos contrastavam com a pele de seda clara como porcelana.

Kurapaika hesitou.

- Nem um pouco. Na verdade... É muito bela...

Ele se arrependeu logo depois de proferir essas palavras. A risada sinistra voltou a ecoar, desta vez com ainda mais vontade.

- Pare de dizer essas coisas, ou vou acabar fazendo algo sem pensar...

O Hunter não entendeu se aquilo era uma piada ou uma ameaça. Apenas assentiu e esperou.

- Então... O que veio perguntar?

- Eu gostaria de saber...

- Foi uma pergunta retórica. Eu sei o que veio perguntar! Por que outro motivo me chamariam de vidente?

- Eu... – ele estremeceu – Não sei, senhora...

- Senhora?! Tenho cara de velha?! Chame-me de senhorita! Ou de vidente. Ou, para os mais íntimos, Hana san.

- Hana?

- Sim. – ela abriu um sorriso sombrio – Hana, que quer dizer “flor”. Só alguns poucos sabem isso... Que o meu nome é Hana, é o que quero dizer...

- Bom... Eu queria as... respostas para minhas perguntas.

- Eu imaginei.

Hana san virou a cabeça de lado, observando a cama. Uma brisa fria entrou pela janela e brincou com seus cabelos. Era uma visão fascinante... e sedutora.

- Há alguém.

- Desculpe, o que disse?

- Eu disse que há alguém. – disse Hana san, virando-se de volta para ele.

Kurapaika sentiu um calafrio e engoliu em seco. Os olhos daquela vidente miravam-no com uma intensidade que o deixava incomodado.

- Há alguém que procura por vingança. Alguém que quer matar você.

Ele riu sem emoção alguma.

- Eu imagino quem seja.

Hana assentiu.

- Ryodan. – disse.

Ele cerrou os punhos e depois dirigiu seu olhar para um pequenino buraquinho no chão. Um ratinho do tamanho de um polegar mordiscava um pedaço de queijo sentado ali perto.

- O Kuroro san é lindo.

- Ele é um assassino! – explodiu o Kuruta.

- Hunhunhun! Eu sei. Ah! – fez Hana san, abrindo um sorriso de deleite – Ficou com raiva, é? Eu adoro o vermelho dos seus olhos...

Kurapaika mordeu o lábio inferior, tentando manter a calma. Seu corpo tremia de raiva... e medo.

- Tome cuidado. – disse a vidente – Alguém está em seu encalço, observando cada passo seu. E não tem boas intenções. Irá matá-lo, se tiver chance.

- Não pretendo dar essa chance a ele.

- Era o que esperava ouvir.

Hana san ficou de pé e caminhou até a estante. Kurapaika pôde ver que usava um vestido longo e azul marinho de aspecto antigo. Seus cabelos chegavam até a cintura e as mãos eram finas e delicadas.

- Se morresse, seria um desperdício de talento... – murmurou ela, pegando alguma coisa no fundo da estante – e beleza! – sussurrou de forma vulpina, voltando para seu lugar.

O Kuruta arqueou as sobrancelhas sem entender, tentando ignorar o rubor que tomava conta de suas bochechas.

A vidente parecia alheia ao seu desconforto. Sentou-se na cadeira e colocou a esfera de vidro sobre a mesa.

- Uma bola de cristal? – assustou-se o Hunter – Achei que fosse piada!

- Não é. Deixe-me ver agora.

Ela olhou a esfera. Ele também. Kurapaika estava ansioso, esperando que algo incrível acontecesse. Mas a esfera sequer se movia.

- Oh...

Ele desviou a atenção da esfera. Aquele não tinha sido um “oh” comum. Parecia que alguém tinha arfado. Hana san parecia ter os olhos desfocados e perdidos.

- Há outro.

- Outro o quê?

- Há outro... Vejo... Vejo seus cabelos longos e dourados... Suas mãos suaves e delicadas... Seus olhos vermelhos como sangue escarlate.

O coração do Hunter deu um pulo e ele ficou sem ar. Ansiedade, medo, esperança... Ansioso, perguntou:

- Quem?

Hana san olhou diretamente em seus olhos, já azuis, e ele pôde ver que ela tinha íris de um castanho muito escuro.

- Outro Kuruta. – ela sussurrou.

Silêncio.

O ratinho do tamanho de um polegar lambia as patinhas e farejava o ar em busca de outro petisco.

- Onde? – a voz de Kurapaika saiu em um sussurro, como se ele temesse que Hana san saísse de seu transe.

- Perto... dele.

O Hunter esperou, sentindo o coração pulsar forte. Hana san abriu a boca, mas tudo que saiu foi um grito sofrido.

O ratinho assustou-se e desapareceu pelo pequenino buraco no chão.

- Hana san! – exclamou Kurapaika, dando dois passos.

- Não! – ela disse, abaixando a cabeça – Não se aproxime! Estou bem, verdade...

Ela voltou a levantar a cabeça e inspirou fundo. Parecia cansada.

- Então...

- Quem é “ele”?

- Ele? – ela arqueou uma sobrancelha – Eu não sei.

- Como não, se é uma vidente?!

Ela abriu um sorriso de escárnio.

- Algumas verdades podem ser ocultadas... mesmo de mim.

- Ah... Entendo.

Mais uma onda de silêncio invadiu o cômodo.

- Sinto muito.

- Não sinta. – disse o Kuruta.

Alguma coisa nos olhos da vidente fez com que ele se calasse. Eles pareciam tristes. Tinham perdido todo o ar de deboche de antes.

- Alguém...

Kurapaika sentiu o coração saltar de novo e ouviu com atenção.

- Alguém se preocupa com você. – sussurrou a vidente – Demais. Seus amigos são pessoas boas, Kurapaika. Muito boas. Mas há alguém que se importa com você acima de tudo, acima da própria vida... Muito além do que poderia imaginar. Além até mesmo da minha imaginação...

O Hunter teve vontade de perguntar quem era aquela pessoa, mas decidiu ficar calado. Precisava se concentrar no objetivo principal.

- Você acha... que eu vou morrer?

Hana encarou-o, parecendo, pela primeira vez, genuinamente surpresa.

- Morrer?

- Acha que... Acha que não vou sobreviver ao tentar completar minha vingança?

- Você... Não pode... Não pode morrer. Se morresse, seria o fim de sua tribo!

- Mas você mesma disse que há outro Kuruta em algum lugar!

- Disse? – ela pareceu surpresa – Oh, sim... Não quer encontrá-lo?

- Quero!

Hana semicerrou os olhos. A princípio, Kurapaika pensou que fosse um sinal de desaprovação, mas logo percebeu que era, na verdade, um sinal de tristeza.

- Não deveria desperdiçar sua vida. Você não merece a morte.

Ela o fitou com mais intensidade do que nunca. Então se levantou da cadeira e caminhou até ele, decidida.

O Hunter fez menção de recuar, mas logo não havia mais distância entre ele e a vidente. Ela era apenas alguns centímetros mais baixa do que ele.

- Você não merece a morte. – ela repetiu, enfatizando cada palavra.

Então, fechando os olhos, ela se inclinou para frente, pegando o Kuruta de surpresa.

Seus lábios roçaram os dele muito suave e lentamente e ela esperou até que ficasse claro que não encontraria uma resposta ali. Afastou-se.

- Desculpe... Não sei o que deu em mim...

Antes que ele pudesse se recuperar do choque, ela se virou e caminhou até a cama. Sentou-se no colchão macio e mirou o chão.

- Não saber as respostas para nossas perguntas é... frustrante... – ela sussurrou.

Alguma coisa tocou sua mão e ela sorriu ao sentir o calor da mão do Kuruta. Fazendo sua carinha mais triste e dengosa, olhou para ele.

- De forma alguma. – ele disse – Se não fosse por sua ajuda, eu...

Ele não terminou a frase. Hana encostou a testa dela na sua e começou a passar a mão por seus cabelos.

- Tome cuidado. – sussurrou – Eles não irão hesitar. Farão de tudo para te matar.

Kurapaika não precisou perguntar nada. Sabia muito bem quem eram “eles”. Estava cansado. Realmente cansado. As carícias de Hana apenas deixavam isso mais claro.

Há quanto tempo buscava por vingança? Há quanto tempo não fazia mais nada além de ficar mais forte e caçar os assassinos de sua tribo?

Não sabia. Estava cansado. Deitou a cabeça no colo de Hana...

Alguém se preocupa com você. Demais. Seus amigos são pessoas boas, Kurapaika. Muito boas. Mas há alguém que se importa com você acima de tudo, acima da própria vida... Muito além do que poderia imaginar. Além até mesmo da minha imaginação...

 “Quem...?” ele se perguntou.

O Kuruta abriu os olhos lentamente, ainda ouvindo as palavras da vidente ressoando em sua mente.

De repente, tudo ficou claro.

Ainda estava naquele quarto escuro e empoeirado. Hana ainda passava os dedos por seus cabelos. Ele precisava ir embora. Já tinha suas respostas.

- Eu preciso ir. – disse, levantando-se – Obrigado pela... – ele mirou a expressão desamparada da vidente – Obrigado por tudo. – sussurrou.

Hana fechou os olhos e abaixou a cabeça. Soltou uma risadinha.

- Eu adoro o seu tipo! – repetiu, enfatizando o verbo.

- Preciso ir agora... – murmurou o Hunter, ajeitando o cabelo.

- Boa sorte.

A vidente ficou de pé e caminhou até a janela. Parecia ter recuperado o tom debochado de antes.

- Espero que... encontre as outras respostas sozinho.

Ele assentiu e colocou a boina na cabeça. Caminhou até a porta, ignorando os rangidos do piso de madeira. Pouco antes de sair, virou-se.

- Obrigado, Hana sa...

- Hanajima. – disse a vidente, abrindo um sorriso enigmático.

Kurapaika sentiu aquele estranho rubor de novo e assentiu mais uma vez. Aquela vidente era mesmo uma feiticeira poderosa.

- Hanajima. – disse.

Ele se virou de novo e saiu do quarto.

Hana ouviu enquanto descia as escadas. Escutou o estrondo da porta da frente batendo. Estava sozinha, de novo.

- Ah... – suspirou – São pessoas como ele que tornam meu trabalho emocionante... Kurapaika... – murmurou, brincando com os cabelos – Ao que parece, não me acha sedutora, não?

Ela riu baixinho, um riso sem humor. Não queria observar pela janela enquanto o jovem Kuruta afastava-se da casa.

- Ele já foi? – perguntou uma voz e Hanajima soube, de súbito, que não estava mais sozinha.

- Sim.

- Foi o que pensei... Você faz mesmo um ótimo trabalho, Hanajima!

Ela mordeu o lábio inferior, hesitante, enquanto uma sombra cobria a janela, impedindo a entrada de luz no quarto.

- Eu entendo que goste dos tipos... “botinhos”... Mas não deveria se afeiçoar a eles. São só brinquedos. Meus brinquedos! E um dia eu pretendo matar aquele ali...

Hanajima trincou os dentes. Lentamente, virou-se para encarar o “amigo”.

O garoto estava bem ali, sentado no peitoril da janela. Seus cabelos castanhos esvoaçavam com a brisa e os olhos verdes faiscavam.

- Que olhar é esse, Hanajima? Não me diga que está com peninha dele! Ora, vamos! Diga para mim tudo que descobriu sobre ele! Você o enfeitiçou, não é? Aposto que conseguiu vasculhar direitinho os segredos mais ocultos dele.

A vidente abriu um sorrisinho macabro, mas o deboche de seus lábios não chegou aos olhos.

- Tudo o que ocorreu esta noite fica entre mim e ele.

O garoto fitou-a com seus olhos verdes. Fitou-a muito intensamente. Hanjima estremeceu de medo.

- Hahaha! Você é engraçada, Hanajima! Tudo bem, acho que vou ter de descobrir tudo do meu jeito, afinal de contas!

A garota revirou os olhos, tentando parecer irritada com o temperamento infantil daquele garoto.

- Por que não tenta ser mais sério e maduro como o Kurapaika?

Ele parou de rir.

- Como o cara da corrente? Não diga que está mesmo apaixonada por ele! “Você não merece a morte”! É isso mesmo?

Hanajima recuou, chocada.

- Esteve escutando a conversa de cima do telhado?!

- Sim, deu para ouvir muita coisa! Mas não consegui ouvir o que você leu na mente dele. E também imagino que não está disposta a me contar...

- Acertou. – ela disse com uma voz desprovida de emoção – Vá embora!

- Hum... Não estou a fim...

- Eu disse para ir embora, Sha...

Ela foi silenciada por ele. Ele a tomou em seus braços e a beijou com intensidade, fazendo com que esquecesse toda a raiva de antes. Mas não o medo.

- Diga o que quiser... – ele sussurrou, encostando a testa na testa dela – O cara da corrente pode ter resistido ao seu charme, mas você não resiste ao meu.

- Imaturo... – ela revirou os olhos, ainda ofegante.

Ele riu e voltou a beijá-la, desta vez brincando com seus cabelos negros da mesma forma que ela tinha brincado com os cabelos loiros de Kurapaika.

“Por quê?” Hanajima pensou “Por que me trata assim? Sei que não passo de um brinquedo para você... Então por que te acho tão... irresistível?”

Ela preferiu deixar os pensamentos sombrios de lado e enlaçou o “amigo” pelo pescoço. Ela tinha plena consciência de que ele poderia matá-la facilmente. E sabia que ele faria isso algum dia.

Talvez muito em breve...

No entanto, preferiu ignorar tudo isso. Deixou-se perder naquelas carícias falsas, naquele sorriso cruel e juvenil... Contentou-se apenas em viver mais alguns minutos e brincar com as mechas castanhas do cabelo daquele assassino de olhos verdes.

 

 



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