Bulma estava na cozinha, arrumando os pratos na mesa para a hora da janta. Estava sozinha em casa, por que seus pais haviam viajado e Trunks era muito pequeno para comer na mesa, então jantaria sozinha. Sem perceber, colocou dois pratos e arrumou dois lugares. Tirou a comida do microondas e colocou no centro da mesa.
_ Comida congelada... disse ela, rindo de si mesma. Já estava grande para saber cozinhar, mas, mesmo assim, era uma negação na cozinha.
Foi buscar Trunks no quarto e o colocou na cadeirinha ao lado da mesa. Abriu a comida para bebês e começou a lhe dar a papinha na boca, enquanto esperava sua comida esfriar. O pequeno comeu duas colheradas, mas logo começou a virar o rosto, não querendo mais.
_ Barriga cheia, né ? - ela sorriu. Deu um beijo na testa do filho e sentou-se na mesa.
De repente, Bulma percebeu o segundo lugar na mesa vazio.
"Como pude ser tão burra ?", pensou e colocou uma mão na cabeça. "Ele não voltou e não vai voltar mais.". Levantou-se e tirou o prato limpo do lugar. Suspirou e deixou que uma lágrima caísse, discreta, pequena.
Sentou-se novamente e começou a se servir. Sem mais nem menos, sentiu um vento nas costas. A única janela que estava aberta era a do quarto de cima. Não teria como fazer vento ali. De repente, ouviu uma conhecida voz às suas costas:
_ Por que tirou o meu prato de lá ?
Virou-se de súbito e se deparou com uma figura masculina forte e baixa.
_ Vegeta... ela disse com as lágrimas quase caindo de seus olhos. Não podia chorar... Não podia implorar pra que ele voltasse... Foi forte, prendeu o choro e perguntou: - O que está fazendo aqui ? Pensei que não fosse mais morar nessa casa.
_ Eu também. disse, se sentando na cadeira vazia. Mas eu preciso da maldita máquina de gravidade pra treinar. Cadê minha comida ?
Bulma fechou a cara.
_ Está aí na mesa, seu burro ! Se quiser, coloque você mesmo. Já estou fazendo muito de te alimentar !
Ele fez uma cara de desagrado. Pegou a comida no meio da mesa e começou a comer no pote onde estava, sem se preocupar em pegar algum prato ou até mesmo talher. Bulma arregalou os olhos e abriu a boca.
_ Escuta aqui ! Você sabe se eu ia querer mais ?! ele apenas a olhou e não disse nada. Ela ferveu, mas manteve a calma. O pequeno Trunks estava ali e não queria assustá-lo.
Quando ela terminou de comer, colocou a louça suja na pia e pegou Trunks no colo. Subiu as escadas sem dizer nada e fechou a porta do próprio quarto com força.
Na cozinha, Vegeta não se assustou com a porta batendo. Ignorou, terminou de comer e foi até a geladeira pegar mais alguma coisa.
No quarto, Bulma chorava baixo. Estava na cama, agarrada em Trunks, sua única alegria e motivo pra viver.
_ Teria sido melhor se ele nunca tivesse voltado. Mal o vi e já estamos brigando ! Aquele homem precisa aprender bons modos !
E ali ela ficou, agarrada no seu pequeno, pensando na perturbada relação de amor e ódio que tinha com Vegeta.
Na cozinha, o Saiyajin acabou com o estoque de comida. Havia ficado alguns dias fora, mas, sem entender o por que, precisou voltar. Deitou-se no sofá da sala de barriga cheia, e apoiou a cabeça na mão. Fechou os olhos e, como por impulso, seus pensamentos voltaram ao que ocorrera alguns dias antes.
** Flashback **
Ele deu um soco de direita, seguido por um chute e uma rasteira. O suor escorria pelo rosto e a respiração estava acelerada. Treinava, sem parar, durante três dias inteiros, sem comer, dormir ou ir ao banheiro. Alojara-se em uma pequena caverna, na parte rural da cidade. Não tinha para onde ir, mas isso não o preocupava. A única coisa que queria, era descarregar a raiva que sentia por aquela humana estúpida que o fizera sair de casa.
"Bulma, sua idiota ! Algum dia ainda vai perceber que não pode viver sem mim !", ele pensava, em meio a murros e pontapés em um inimigo imaginário.
Na manhã do quarto dia, ele sentiu uma grande necessidade de procurar água. Comida ele não precisa, afinal, era um Saiyajin, forte e resistente, mas a água era precisa. Levantou vôo e foi procurar por algum lago ou coisa parecisa. Sem perceber, seus pensamentos haviam se desviado do objetivo principal, e ele se levou a um lugar que não esperava voltar tão cedo. Apenas uma distração, e ele já estava de volta.
Pousou em cima de uma árvore que ficava no jardim da CC. Olhou a casa e percebeu movimento no quarto de Bulma. Pôde vê-la algumas vezes, quando passava pela sacada. Seus olhos negros se tornaram vazios e ele respirou fundo, como se uma enorme tristeza houvesse se apoderado dele. Quando o ar entrou em suas narinas, ele, subitamente, sentiu um conhecido cheiro... Era o cheiro dos cabelos dela, de sua roupa, de seu corpo... Fechou os olhos e lembrou-se do quanto gostava de sentir aquele perfume...
Desceu da árvore e foi para a porta da casa. Pensou em abrir ou bater, mas não teve coragem. Voltou pra caverna.
** fim do Flashback **
Ainda deitado, ele pensou consigo: "Huh, deveria ter vindo aqui logo de manhã, naquele dia. Bulma me dá tudo o que quero, e, naquela caverna, eu não tinha sossego". Mas o que ele não admitia pra si mesmo, era que voltara por outro motivo... Não queria, e nem podia, acreditar que sentia falta dela... e essa era a única razão pelo qual ele quis voltar.
Levantou-se e subiu as escadas. Pegaria algumas roupas novas no quarto, e, então, voltaria a treinar na máquina de gravidade. Passou pelo quarto de Bulma e não ouviu nada. Deveria estar dormindo. No seu quarto, pegou o que precisava e foi para o corredor. Quando passou pela porta do quarto ao lado, novamente sentiu o cheiro dela, como se tivesse sido jogado em seu rosto por um esguicho de perfume. Estacou, apreciando aquela fragrância tão desejada. Olhou para o lado e perdeu alguns segundos se decidindo se entrava ou não. Decidiu-se por entrar.
Fechou a porta às suas costas e olhou ao redor. O quarto estava uma bagunça, o que era anormal, afinal, Bulma não era de deixar as coisas fora de ordem. Olhou para a cama, e ficou sem saber o que fazer, quando viu a mulher ali, deitada, abraçada com seu bebê. Ambos dormindo. Aproximou-se um pouco, e percebeu que o travesseiro dela estava com algumas manchas de choro.
Ventava, e Bulma estremeceu com o frio. Percebendo isso, Vegeta foi até a sacada e fechou a porta. Em seguida, lentamente, foi se aproximando da mulher. Quando já estava ao seu lado, abaixou-se na cama e colocou o rosto ao lado do dela. Roçou a bochecha na sua, e pôde sentir, mais forte ainda, o perfume que emanava de seu corpo. Passou uma das mãos pelo cabelo dela e fechou os olhos, como embriagado pela sensação.
Apesar de saber que a desejava, perguntava-se mentalmente por que ainda estava ali. Queria ficar, mas sabia que deveria ir embora.
Ficara sob seu corpo por, pelo menos, um minuto, e não percebeu quando Bulma abriu os olhos. Ela, confusa, perguntou:
_ Vegeta... ?
E ele, no mesmo momento, levantou-se assustado. Ela se sentou na cama e olhou pra ele, surpresa, enquanto que ele ficou paralisado à sua frente, com a boca aberta e olhos arregalados.
_ Vegeta... disse e se levantou. Vegeta não sabia o que fazer. Seu desejo de sair do quarto e não voltar mais era enorme, mas não tanto quanto o desejo de ficar e poder se embriagar com o cheiro dela mais uma vez.
Bulma esticou um braço, pretendendo alcançar Vegeta, mas este deu dois passos para trás, como se com medo de um animal maior. Sem desistir, Bulma avançou novamente e pôde se aproximar o suficiente pra arriscar um abraço. Ela abriu os braços e os enroscou no pescoço do Saiyajin. Ele demorou pra fazer o mesmo em sua cintura, mas o fez de tal forma, que não queria soltar mais. Sua consciência mandava-o abandonar a mulher, mas seu corpo e coração queriam ficar... E ele ficou.
Virando o rosto, Bulma deu-lhe um beijo. E ele retribuiu, sem hesitar. Empurrou-a de leve em direção à cama, mas ela o fez parar.
_ Trunks está na cama. ela foi até o móvel e tirou o bebê de lá, colocando-o no berço. Enquanto ela fazia isso, Vegeta percebeu que o cheiro dela havia passado pra ele, como num fluxo perfeito.
Quando ela voltou aos seus braços, sorrindo, ele reparou em como seus olhos eram azuis e vivos. Jamais havia reparado em como eles eram belos, e em como ficavam apagados quando ela estava triste.
Bulma sorriu, agarrada ao homem que amava. E, sem perceber, ambos estavam se balançando, como numa dança leve e sutil, sem música, mas em completa harmonia, num ritmo constante e imutável, como se tivesse sido ensaiada pelos dois. Até que, devagar, Vegeta a colocou na cama, deu-lhe um beijo no rosto e deitaram-se para que pudessem saciar a vontade inconsciente que sentiam há muito tempo.
O sol já despontava no horizonte. Alguns raios de luz entravam pela sacada aberta. Bulma abriu os olhos lentamente, quando foi acordada pelo canto de alguns pássaros do lado de fora. Sorriu ao lembrar da noite anterior, e, esticando um braço pra trás, procurando por Vegeta, percebeu que o outro lado da cama estava vazio. Ele não estava lá.
Levantou-se e colocou uma roupa simples. Foi até Trunks no berço e lhe passou a mão na cabeça com carinho. O bebê dormia como um anjo. Mas Bulma estava triste, por que algo lhe dizia que ela não encontraria o pai da criança na casa. Desceu as escadas em passos lerdos, e achou estranho quando ouviu barulho na cozinha. Ao cruzar a porta, arregalou os olhos, vendo que Vegeta estava lá, tomando o café da manhã. Ele a viu e perguntou:
_ O que foi ? Por que está me olhando com essa cara ? e alguns pedaços de pão voaram de sua boca, por que ele havia falado de boca cheia.
Bulma riu e sentou-se com ele na mesa. Vegeta havia preparado apenas o próprio café da manhã, mas Bulma ficou sentada na sua frente, olhando-o comer como um porco e encará-la com desconfiança. Apoiou o cotovelo na mesa e a cabeça na mão, admirando o homem.
_ O que foi ? Você está me olhando de um jeito que eu não gosto !
_ Eu sei, me desculpe. disse ela, ainda sorrindo.
E, em um minuto, Bulma percebeu o quanto o amava, mesmo com a indiferença, mesmo com a grosseria, afinal, aquele era ele, e qualquer mudança em sua personalidade, poderia afetar o pacote geral, fazendo com que o Vegeta não fosse mais o Vegeta e, conseqüentemente, o homem que ela amava.
Bocejou. Estava com sono e cansada, mas tinha projetos atrasados pra pôr em ordem. Levantou-se e abriu a geladeira.
Adoro essa sua cara de sono
E o timbre da sua voz
Que fica me dizendo coisas tão malucas
E que quase me mata de rir
Quando tenta me convencer
Que eu só fiquei aqui
Por que nós dois somos iguais
Até parece que você já tinha
O meu manual de instruções
Por que você decifra os meus sonhos
Por que você sabe o que eu gosto
E por que quando você me abraça
O mundo gira devagar
E o tempo é só meu
E ninguém registra a cena
De repente vira um filme todo em câmera lenta
Vegeta a observou abrir a geladeira e se preparou pra ouvir um grito. E foi o que ouviu.
_ Vegeta !!!! Onde está toda a comida dessa casa ?! e virou-se para ele, nervosa.
Vegeta continuou comendo, e disse com a maior calma:
_ No meu estômago. Comi tudo ontem de noite e deixei esse pouco pra comer hoje de manhã.
Olhando para o Saiyajin com os olhos vermelhos de raiva, Bulma contou até dez. Fechou os olhos, procurando não prestar atenção na cara cínica de Vegeta. Ao sentir que a fúria dissipava-se, Bulma respirou fundo e andou até a mesa, sentando-se em seu lugar. Vegeta ainda comia. Mas parou ao vê-la o encarando mais uma vez.
_ O que há, mulher ? perguntou, irritado Eu sei que sou bonito, mas não precisa admirar tanto.
Bulma, que estava séria, permitiu que um largo sorriso desabrochasse nos lábios. Ele era incurável... Mas, ainda assim, era ele. Decidiu que, mais tarde, faria compra, já que todos os alimentos da casa haviam sido comidos por Vegeta.
De repente, Bulma espreguiçou o corpo, bocejando e levantando os braços. Não percebeu, mas, nesse momento, Vegeta sentiu que o mundo parava... Era incrível como ela ficava linda com sono... Seus olhos ficavam semi-cerrados, passando a impressão de serem puros e infantis. Voltou à realidade apenas quando ela começou a falar. Prestando o mínimo de atenção, Vegeta ouviu-a dizer:
_ Vegeta... e o encarou, sorrindo um sorriso tolamente apaixonado Eu acho que sei por que você voltou... Vegeta levantou o rosto para ela, ergueu as sobrancelhas e sorriu com malícia, como se duvidasse que ela soubesse Você não voltou pela máquina... Eu sei que você voltou por... por mim.
Sem que pudesse agüentar, Vegeta caiu na gargalhada, colocando a mão na barriga e fazendo com que vários pedaços de pão voassem pelo ar.
_ Você pode rir, mas eu sinto que é isso. tentava dizer, em meio ao riso frenético do Saiyajin - Pode negar até morrer, mas eu sei que é isso. E não espero que você admita. Eu me contento apenas sabendo, nem que seja por conta própria.
Finalmente, ele conseguira parar de rir. Encarando a mulher à sua frente, sorriu e disse:
_ Bulma, você é louca. Pensa que me conhece, mas só pensa, por que você não sabe quem eu sou.
_ Não, Vegeta... interrompeu, ela. Bulma tinha um sorriso meigo nos lábios. Era como se, tudo o que ela dissesse, fosse tão verdadeiro quanto a existência de seu coração. Ela não parecia achar... ela sabia Eu conheço você. E sabe por que ? Por que eu e você... Nós somos iguais... Assim como eu, você se sente sozinho na noite, quando percebe que ninguém dorme ao seu lado... Assim como eu, você sente que está incompleto, sempre que toma o café da manhã sem ninguém para lhe passar a manteiga... Assim como eu, você acha difícil encontrar alguém para amar, por que teme ser amado... Nós somos iguais, Vegeta... É por isso que devemos ficar juntos, é por isso que queremos ficar juntos...
Vegeta ouviu, calado. Apesar de não aparentar, sentia-se, momentaneamente, impressionado. Ás vezes, ele pensava que Bulma encomendara um manual de instruções para ele. Em certas ocasiões, ele tinha a certeza de que ela conhecia cada um de seus botões, cada um de seus defeitos, cada um de seus pontos fracos. Não conseguia entender como ela podia entendê-lo tão bem... Bulma era capaz de descobrir seus maiores desejos, suas maiores verdades. Ela era capaz de saciar o seu maior desejo, de preencher o seu maior vazio, de agradar a todos os seus gostos.
Percebendo que o Saiyajin emudecera, não confirmando ou negando o que ela dissera, Bulma levantou-se e andou até ele. Ao chegar em suas costas, abraçou-o por trás, enlaçando os braços em seu pescoço e encostando o rosto em sua bochecha. Ambos permaneceram quietos, mudos, imutáveis, estáticos. Vegeta podia sentir a respiração quente de Bulma... E Bulma podia ouvir o coração dele, descompassado.
Foi como em uma foto, onde um momento é registrado e jamais alterado. O Saiyajin e a cientista permaneceram juntos, grudados... Estavam apenas juntos... Mas estavam felizes dentro de seus corações. A vida tinha mudado de ritmo, e, todas as coisas, pareciam passar devagar. O tempo, o barulho, e a própria vida... Vegeta sentia-se amado... e, sem que pudesse admitir, sentia que amava também...
E foi como se o filme fosse adiantado, para recuperar o tempo perdido ao parar. Tudo voltou ao normal em um piscar de olhos e, quando Vegeta se deu conta, Bulma desvencilhava-se dele, indo em direção às escadas. Sem pensar duas vezes, perguntou:
_ Aonde vai ?
Virando-se para o amado, Bulma sorriu, e respondeu com outra pergunta:
_ Você não ouviu o Trunks chorando ? Vegeta apenas negou com um gesto da cabeça. Dando uma risada curta, Bulma achou-o engraçado Bom, eu vou subir e já volto. Nosso filho precisa de carinho.
"Nosso filho...". Aquelas duas palavras soaram na cabeça do Saiyajin... Olhando de relance para a última silhueta de Bulma, antes que ela sumisse no andar de cima, Vegeta sentiu, em apenas um segundo, o quanto era certo estar ali. Certo para ela, certo para ele, certo para "nosso filho"... Sorrindo com o canto da boca, Vegeta coçou a cabeça, como se quisesse afastar aqueles pensamentos da mente ( pensamentos que, ele sabia, não seriam admitidos facilmente ). Pegando mais um pedaço de pão, colocou-o inteiro na boca e terminou o café da manhã. //