Era noite. Era sempre noite. O Sol, aquele preguiçoso inútil, finalmente dormia. A luz queimava seus olhos, mas as trevas sempre o confortavam.
Não, não mais era aquele garotinho idiota que ainda tinha alguma esperança. Amadureceu cedo. Cedo demais. A mãe batia na porta. Hora do jantar.
Bulma -- Anda, Trunks! Saia daí!
Mas.. pra quê jantar, se a qualquer momento os dois poderiam não mais estar ali? Ora, ele não era suficientemente forte para acabar com aqueles andróides. Nunca foi forte para fazer nada...
Sorriu. Irônico... aqueles que poderiam ter feito algo já morreram. Nada mais de esperança restava ali. Era só uma questão de tempo... talvez alguns dias até que aquelas máquinas acabassem como todos para sempre.
Bulma -- Trunks! Você precisa comer! Está aí há dias!
Não gostava de ver a mãe preocupada daquele jeito, então resolveu sair. Afinal, ela ainda não havia percebido a verdade que dançava diante de seus olhos. Tudo, sempre, era uma questão de tempo.
Bulma -- Até que enfim! Vamos, fiz uma sopa deliciosa... enquanto você come eu quero te dizer uma coisa...
Havia algo de errado. Ou melhor, algo de certo naquele sorriso da mãe. Bulma observou o filho tomar a sopa, a contragosto, e enfim disse:
Bulma -- Você se lembra da máquina do tempo que eu construí?
Trunks -- Hum-hum...
Bulma -- Pois bem, ela deve terminar de carregar no fim de semana! Você poderá viajar ao passado e acabar com tudo isso!
Trunks -- Mas a senhora mesmo disse que este futuro não será alterado...
Bulma -- Sim, mas aquele outro futuro também não irá sofrer como nós! Além disso, você poderá treinar com os Guerreiros Z do passado, e se fortalecer... e então... quem sabe...
Trunks -- Não acho que consiga me fortalecer... não sou saiyajin puro, talvez não consiga superar as minhas conquistas passadas...
Bulma -- Bobagem! Gohan também não era e, mesmo sem treinamento adequado, conseguiu se tornar poderoso daquele jeito!
Trunks -- ............ Não poderoso o suficiente, não é?
Bulma -- Deixe disso, filho! Eu também sinto a falta do Gohan, e de todos os outros, mas não é lamentando que vamos chegar em algum lugar!
Trunks -- Simplesmente por não termos pra onde ir...
Bulma -- Trunks... eu sei que você está cansado de tudo isso, todos nós estamos! Apenas não carregue nesses ombros tão jovens o peso do mundo, filho! Esse peso está afundando você!
Trunks -- Não tem outro jeito, e também não sei mais o que fazer, mãe. Não sou forte o suficiente, e estou quase desistindo da carregar o mundo...
Bulma -- Você precisa é de umas férias! Essa tensão está te destruindo!.. Vai querer mais sopa?
Trunks -- Não, obrigada... acho que vou lavar essa louça e vou me deitar...
Bulma -- Obrigada! Eu vou estar no laboratório subterrâneo.. Boa noite, filho!
Bulma deu um beijo na testa de Trunks, desejando que esse beijo pudesse tirar dessa cabeça todo esse peso. Olhou com ternura para o filho. Lembrou-se de quando este era apenas um bebê. Trunks havia crescido demais...
Trunks -- Boa noite, mãe... não vá dormir muito tarde.
Bulma -- Pode deixar!
A mãe desceu. Trunks recolheu a mesa e abriu a torneira. Observou por alguns instantes a água escorrendo por cima dos pratos, dando voltas, borbulhando, subindo, descendo. Lavou a louça e foi ficar olhando da janela do quarto as estrelas. Uma nuvem escura as cobria lentamente.
Eram as trevas noturnas de que ele tanto gostava. Tão misteriosas e belas como o próprio vazio. E então, de tanto fitar o vazio, Trunks percebeu que o vazio tomava forma. A escuridão que cobria as estrelas juntou-se em um só lugar, diante dele. E diante dele ela surgiu. A Treva personificada. Os longos cabelos negros caíam sobre os ombros. Os olhos escuros e sem brilho fitavam os seus olhos azuis. Vestia um longo vestido negro.
Corvos pousaram nos poucos fios elétricos que restavam pela cidade. Grasnavam incessantemente e batiam as asas, ansiosos, gritando "Raven, Raven" enquanto ela se aproximava.
Trunks -- Quem é você?
-- Sou Raven, sua amiga.
Trunks -- Raven? Minha amiga Raven?
Raven -- Você me conhecia por outro nome... Também me chamam Depressão.
Trunks -- Você demorou para aparecer... Pensei que não mais viria.
Raven -- Você não me chamou antes. Acho que tinha medo.
Trunks -- Medo? (sorrisinho amarelo) Não, não era medo... Apenas não havia atingido o nível certo de loucura. Você é real?
Raven -- E o que não é real? Ora, eu sou o vírus da doença que se espalha dentro de você. Real o suficiente para você me dar forma...
Trunks -- Então estou conversando com a minha depressão?
A garota sentou-se no parapeito da janela. O cabelo e as pontas rasgadas do vestido esvoaçavam, ainda que não houvesse vento. Trunks sentou-se ao lado dela, encostado na parede.
Trunks -- Era de se esperar... Depois da verdade, vem a loucura...
Raven -- E que verdade seria essa?
Trunks -- Que a esperança é uma invenção traiçoeira. Uma brincadeira criada por lunáticos, que não deveria existir, para que não mais iludisse ninguém com a falsa possibilidade de tudo dar certo no fim...
Ela riu. A risada não foi fria e planejada como todas as palavras que havia dito até ali. Foi espontânea, tão linda como o fogo para alguém que está morrendo de frio.
Raven -- Então essa é a sua verdade?
Trunks -- Não ria! Até mesmo a minha desilusão foi contaminada com esperança?
Raven -- Se a esperança não existisse, Trunks... seria necessário inventá-la!
Trunks -- E então aparecem os lunáticos... pra que criar uma mentira?
Raven -- Talvez essa mentira, essa ilusão possa levar à verdade, de alguma forma...
Trunks -- Minha vez de rir! Ha! Minha depressão incentivando-me a ter esperança!? Que tipo de doença você é?
Raven -- Uma que odeia o emprego que tem! Trunks! Você está prestes a cair em um buraco, mas ainda não atingiu o fundo! Não ainda! Há tempo de se agarrar à borda!
Trunks -- E a chamam depressão? Quem a criou deve ser tão maluco quanto o criador da esperança!
Raven -- Você me criou, Trunks! E como uma criação feita por um humano, posso tanto estar rodeada de verdade e razão quanto tão errada a ponto de me tornar humana também!
Trunks -- Humanos, sempre errando... Me surpreendo com o fato de terem sobrevivido tanto tempo...
Raven -- E ainda deve haver muito tempo adiante.
Trunks -- Como? Logo tudo que irá sobrar será um par de andróides sem alma...
Ela sorriu.
Raven -- E aí entra a dádiva e ao mesmo tempo perdição humana. Algo inexplicável que vocês chamam de esperança.
Trunks levantou-se e sentou-se na cama. De costas para ela. Afinal, ele não tinha que ficar escutando a encarnação do seu desespero falar sobre idiotices. Não, de jeito nenhum! Quem sabe se ele a ignorasse, esse seu novo atestado de loucura ficasse cansado e desaparecesse do mesmo modo que havia chegado. Os corvos o incomodavam! E talvez por isso, somente para provocá-lo, mais e mais deles chegassem a cada minuto e alguns se atrevessem a entrar no quarto pela janela, espalhando penas negras pelo chão frio.
Raven -- Você não quer me ouvir, certo?
Trunks -- ...............
Raven -- Egoísta!
Trunks -- Egoísta não, apenas realista!
Raven -- Sério? Pois se você não quer se contaminar com esperança, ao menos deixe que os outros decidam o que querem!
Trunks -- Estou tentando salvá-los...
Raven -- Claro que está! Mas não o suficiente!
Trunks -- E quem é você pra me dizer isso?
Raven -- Eu sou sua loucura, sua depressão, sua razão, sua consciência...
A roupa dela se tornou branca. Os corvos se tornaram pombas, e as penas espalhadas transformaram-se em penas brancas e macias.
Raven -- ... e sou sua esperança.
Trunks se levantou, sobressaltado. Milhares de pombas arrulhavam ao redor da casa. Queria saber o motivo de não ter ouvido a sua mãe, mas se lembrou que nada daquilo estava realmente acontecendo.
Raven -- Mas está acontecendo. Isto ESTÁ acontecendo, queira você ou não.
Trunks -- Você disse que era Raven, depois disse que era Depressão, e agora vem com essa história de ser Loucura, Razão, Consciência e Esperança. Quem É você afinal?
Raven -- Eu sou tudo, e ao mesmo tempo não sou nada. Sou sua mente, "aparecendo" para você em um momento de loucura em uma forma que pudesse ser agradável aos seus olhos.
Trunks -- Realmente em um momento de loucura...
Raven -- Eu sou você, e ao mesmo tempo não sou. Como Trunks, te entendo. Como Raven, te censuro. Ficar de braços cruzados, trancado no quarto vai te ajudar a fazer algo pelo mundo? A não ser que você esteja pensando em um modo de fazer isso, o que você com certeza não está, por que ficar aqui? Qual é a razão disso?
Trunks -- .........
Raven -- Você tem vontade de lutar, e não somente pelo seu sangue saiyajin! Lute! Faça diferença!
Trunks -- .........
Raven -- Eu sei o que você está pensando. "Mas... como fazer a diferença?", não é? Bem, você ainda não está em condições de lutar com eles... Mas e se você pudesse voltar no tempo e mudar o passado?
Trunks -- Provavelmente o mudaria.. você está se referindo à máquina do tempo que minha mãe está construindo?
Ela sorriu. Sempre sorria... Trunks não sabia de onde é que ela tirava o ânimo.
Raven -- Sim! Que oportunidade melhor do que esta?
Trunks -- ......... E seu voltasse ao passado? E se eu entregasse o remédio ao pai de Gohan? Que diferença isso faria aqui? Aqui, nesse mundo destruído?
Raven -- Que diferença? Humm... Se você pudesse ter mais oportunidades de treinamento pesado, quem sabe os andróides não fossem ameaça tão grande! E que oportunidade melhor do que a de treinar pesado em um mundo onde eles ainda não existem?
Trunks -- Sei o que devo fazer, mas não sei como...
Raven -- Você é humano...
O vestido dela se tornou cinzento, e os pássaros agora eram falcões.
Raven -- ... e humana estou me tornando, pouco a pouco.
Trunks olhou para ela. Os cabelos agora eram do mesmo tom purpúreo que os seus. Os olhos, do mesmo azul.
Raven -- Sou apenas sua consciência, sua mente... Mas não sou sua alma. Decida você o que acha que é melhor.
Um falcão pousou no seu ombro, e ela ficou coberta de penas. Uma brisa soprou da janela, e as penas voaram para longe. Nenhum falcão agora era visível. Nenhum vestígio de que uma conversa teria se passado ali. Raven havia sumido.
Trunks então fechou a janela. As estrelas o cegavam. Simplesmente deitou-se e dormiu, sem se preocupar em trocar de roupa.
Pela manhã, quando o Sol ainda não tinha totalmente mostrado sua luz, resolveu sair. Voou até uma região montanhosa distante a ali ficou até quase o meio-dia, quando voltou para a cidade.
As ruas eram quase desertas, então ele pôde ouvir um som de risos. Sem mais nada o que fazer, foi caminhando em direção aos risos. Acabou em um pequeno terreno, com grama macia a forrar o chão e brinquedos para crianças. Alguns garotinhos brincavam em um pequeno monte de areia, e duas meninas corriam em volta de um escorregador, enquanto uma terceira brincava em um balanço. Alguns pais se reuniam em volta do parquinho, olhando para suas crianças.
Ele sentou-se embaixo de uma árvore, uma das poucas que restaram na cidade, e ficou vendo o tempo passar. Uma mãe chegou de mãos dadas com sua filhinha, que olhou para Trunks e parou de andar.
-- Olha, mamãe! O moço tem o cabelo igualzinho ao meu!
-- Tem razão! Viu, como seu cabelo é bonito? Agora, vá brincar! Lá vem seu pai com o Júnior!
A mãe foi encontrar-se com o outro filho, um pouco mais velho com seus quase seis ou sete anos de idade. A menina, no entanto, veio sentar-se junto a Trunks.
-- Mamãe me disse que eu nunca ia encontrar alguém com o cabelo da cor do meu!
Trunks apenas olhou para a garotinha e sorriu. Não sabia o que dizer a ela.
-- E os seus olhos são iguais aos meus! Que legal!
Ela batia palmas enquanto ria. Não parecia nem um pouco incomodada com o silêncio do rapaz
-- Qual é seu nome?
Trunks -- Meu nome é Trunks, e o seu?
-- Meu nome... aaaahh! Promete que não vai rir?
Trunks -- Prometo! Qual é seu nome?
-- Minha mãe gosta muito desse nome, mas todo mundo acha engraçado, quando eu falo o meu nome!
Trunks -- Mas eu não vou rir.. pode me dizer!
Ela soltou um risinho e corou.
-- Meu nome é Hope... não vale rir, moço!
Trunks -- É claro que eu não vou rir! É um nome tão bonito!
Hope -- Você achou? Mamãe diz que o que falta nesse mundo é Esperança, então ela me deu esse nome...
-- Hope! Hope! Vem brincar com a gente!
Hope -- Já vou! Ei, seu moço... hum.. Trunks! Eu tô indo brincar, tá? Éee... como é que se diz, mesmo? Ah, é! Prazer em conhecê-lo!
Trunks -- O prazer foi todo meu, Hope. Divirta-se!
Hope acenou e foi para o parquinho com as outras crianças. Trunks ainda olhou um pouco para ela, enquanto se afastava do terreno e ia para casa.
....
Bulma -- Trunks? Onde esteve?
Trunks -- Me desculpe.. estava só dando uma volta, para clarear as idéias...
Bulma -- Clarear as idéias é sempre muito bom! Sente-se melhor, agora?
Trunks -- Sim, mãe.. bem melhor.
Bulma -- Oh, sim! A máquina do tempo já está pronta! Quando planeja partir?
Trunks -- Não sei, que tal depois do almoço?
Bulma -- Ótimo! Mas que estranho... você mudou de idéia tão rápido!
Trunks -- Descobri algumas coisas pelas quais vale a pena lutar, mãe... só isso...
...
O motor da máquina roncava de leve. Tudo preparado para a partida. Mãe e filho já haviam se despedido, o remédio para Goku estava seguro no bolso da jaqueta de Trunks, que já se preparava para embarcar.
Ao embarcar na nave, olhou com carinho para a inscrição que havia feito minutos antes. Na máquina agora estava escrito: "Hope!"
by: Ravena