Ele sabia que estava numa fria. Totalmente em apuros. Ou, como diriam os jovens trouxas, completamente ferrado. Durante um longo tempo, ficou parado em frente à porta de madeira gasta, imaginando o que dizer. Um tempo que quase pareceu uma eternidade. Quase. Ele sabia que a verdadeira sensação de eternidade seria sentida quando o castigo lhe fosse imposto.

Suspiro.

Andando na ponta dos pés, entrou na pequena casa. Era uma casa curiosa aquela. Inclinada para o lado, como se estivesse prestes a cair. Mas ela nunca caía. Sua aparência frágil era enganadora, assim como eram muitas outras coisas ligadas ao mundo bruxo.

Ele estava na cozinha agora. Estava escuro lá dentro. Não havia nenhuma luz, exceto pelos finos feixes de luar que penetravam os vidros sujos das janelas. O garoto praticamente arrastou o corpo até a sala de estar, temendo acordar sua querida...

- Harry?

O bruxo deu um pulo e imediatamente levou a mão direita ao bolso da calça, onde guardava a varinha. A adrenalina só conseguiu levá-lo até ali. Depois disso, ele congelou. Cada neurônio do seu corpo gritava um sinal de perigo, mas o garoto permaneceu no mesmo lugar, sustentando aquele olhar gelado.

Parada ao pé da escada estava a personificação de seus maiores medos. Os braços estavam cruzados sobre o peito. Os pequeninos olhos fuzilavam o bruxo com intensidade. Pareciam lançar feitiços poderosos. Estupefata. Impedimenta. Avada Kedrava...

- Harry, querido... – Gina disse de forma doce, abrindo um sorriso que não chegou ao olhar, o qual permaneceu implacável.

- Gina! – o garoto tentou abrir um sorriso, mas sua animação soou... animada demais. Seu rosto parecia congelado. Literalmente congelado – O que faz acordada a esta hora da noite? Você deve estar...

- Com sono? Cansada de esperar? Pois sim, querido... – ela descruzou os braços e caminhou até ficar a dois passos do namorado – Está tarde. – completou, pousando as mãos na cintura.

Ele engoliu em seco e ajeitou os óculos pela simples necessidade de fazer algum movimento. Deu uma olhada rápida pela janela mais próxima, perguntando-se se conseguiria correr e se atirar por ela a tempo.

- O que estava fazendo?

- Nada! – ele respondeu rápido demais.

- Nada? – ela ergueu uma sobrancelha ruiva – Corrija-me se eu estiver errada. Faltam poucas horas para o amanhecer, e você acaba de chegar à Toca. Estava estudando até agora?

Harry quis mentir, mas aquele tom de voz era como Veritaserum. Seu cérebro simplesmente não conseguia processar nenhuma desculpa. A verdade circulava por seu corpo, berrando e se debatendo como uma Mandrágora jovem que foi arrancada da terra.

- Estava com alguns amigos...

Certo. Era uma meia verdade.

- Amigos? – a ruiva ergueu a outra sobrancelha – Neville? Draco? Adam?

- Quem é Adam?

- Aquele garoto bonito de quem meu irmão idiota tinha ciúmes, e não mude de assuntos, Ha...

- Como assim “garoto bonito”? Que conversa é essa, Gina?

- Eu que faço as perguntas aqui! – ela disse um pouco mais alto, fazendo o namorado encolher-se de medo.

- De-desculpe, meu amor. Não quis soar inconveniente... – ele balbuciou.

- Inconveniente... – Gina abriu um sorriso quase divertido – Seu vocabulário está melhorando.

- Hermione tem chamado o Rony de inconveniente muitas vezes ultimamente. Aliás, ela está aqui, não é? Soube que chegaria hoje para passar um tempo com...

- Sim, ela está aqui. Mas não mude de assunto, Harry.

- Ela está dormindo com você? Ou junto com o Rony? Eles estavam realmente bem colados da última vez que...

- Não me interessa o que eles fazem ou deixam de fazer. – ela disse, irritada – Você é meu namorado, Harry, e eu só queria que me dissesse onde estava até agora!

O bruxo bocejou longa e demoradamente e passou a mão pelos cabelos rebeldes. Fingiu procurar alguma coisa no chão da sala.

- Já está ficando tarde. Eu estou cheio de sono. Por que não deitamos juntos, e eu fico fazendo cafuné em você até dormir em meus braços?

- Harry!

- Gina!

- Pare com isso!

- Isso o que?

- Você nunca foi bom em enrolar as pessoas, Harry.

- Enrolar? Eu? Não estou te enrolando, querida. Puxa vida! – ele olhou um relógio de pulso imaginário – Olhe a hora! Melhor eu ir dormir antes que a minha sogra desça para fazer o café.

- Não vai sair daqui enquanto não me explicar o que, exatamente, estava fazendo! – a ruiva disse essas palavras pousando o indicador no peito do namorado, parecendo muito mais valente que ele, apesar de ser mais baixa.

- Ai, que coisa! – Harry afastou a mão dela com a sua – Eu sou uma coruja, por acaso? Você faz tanta questão de saber onde eu estou a cada minuto? Que coisa, Gina! Eu sou seu namorado, não seu bichinho de estimação! – ele tentou parecer irritado, mas na verdade sentia medo por dentro. E, como já era costume, buscou na raiva fingida a sua defesa.

Gina afastou-se rápido, mordendo o lábio inferior. Seus olhos pareciam lançar faíscas, e Harry sentiu como se ela lançasse o Cruciatus em seu corpo.

- Você não gosta mais de mim, é isso? – aqueles lindos olhos brilharam.

O garoto estava distraído. Suas pernas tremiam, embora isso fosse quase imperceptível. Em sua mente, desejava estar em qualquer outro lugar, menos ali. Preferia enfrentar dementadores, gigantes, trasgos, tudo de uma vez. Até o careca e desprovido de nariz do Voldemort parecia mais convidativo que uma briga com a...

- Você não me quer mais, não é?

Essas palavras o trouxeram de volta à realidade. Harry piscou várias vezes, tentando compreender o que estava vendo. Gina abaixara a cabeça e passava a manga do pijama no rosto. Várias vezes.

Pela fênix! Ela estava chorando!

- Gi-Gina! – ele murmurou, sentindo-se culpado.

Olhou em volta para ter certeza de que não havia ninguém por perto. Então, desajeitadamente, puxou a ruiva para seus braços e deixou que ela aninhasse a cabeça em seu peito.

- Está tudo bem. Está tudo bem... – ele engoliu em seco de novo – Não estou brigando...

- Então, por que está tão evasivo? Por que não me conta o que aconteceu?

- Não aconteceu nada, Gina. Nada mesmo.

- Se não aconteceu nada, por que não voltou mais cedo? – ela disse, fungando e esfregando o rosto com as mangas.

“Por que eu não tenho um vira-tempo para voltar no passado e me impedir de fazer essa besteira?” o bruxo perguntou-se.

- Certo, você venceu. – ele hesitou, escolhendo as palavras – Eu estava com alguns amigos, sim. Nós bebemos um pouco de cerveja amanteigada, jogamos Quadribol e conversamos sobre futilidades. Foi isso.

- Que tipo de futilidades? – ela parou de fungar.

Ele quis se atirar a uma parede, como uma coruja desorientada.

- Futilidades, Gina.

- Conversa de bêbado. – ela resumiu, afastando-se de seus braços.

- Não estou bêbado. – ele protestou.

- Então, por que está agindo como idiota?

- Porque eu estou apaixonado por você, droga!

Silêncio.

Harry sentiu o sangue esquentar. Gina arregalou os olhos, e por um instante ele se lembrou de quando enfrentara o Basilisco. O medo. O desespero. O pedido por ajuda, qualquer ajuda.

Ele não queria brigar. Não queria terminar tudo, não depois que tinham finalmente derrotado o inimigo. Não queria perder tudo. Que sentido teria a sua vida? Ele se sentiria vazio e morto... Como se tivesse realmente olhado nos olhos do Basilisco.

- Então, você não estava com outra?

Harry engasgou ao ouvir essas palavras.

- Com outra? Gina, você pensou que eu estivesse te traindo?! Francamente! Pensei que confiasse em mim!

- Eu confio... – ela pareceu culpada – Mas, bem, você é Harry Potter. Só mesmo uma garota muito tola para não querer uma chance com você!

- E você é Gina Weasley. Só mesmo um garoto muito estúpido para não se apaixonar pelo seu jeito cativante e corajoso.

- Então, você gosta mesmo de mim? – os olhos dela brilharam.

- Gostar? Gina, eu sou louco por você. – uma vez iniciado o discurso, ele não sabia mais como pará-lo – Não quero ter nada com nenhuma outra garota. Sequer consigo olhar para outra garota, Gina! Eu... Eu amo você.

Quando essas palavras saíram de sua boca, ele desejou sacar a varinha e usá-la para estourar os próprios miolos. Como podia ser tão tolo?

- Harry... – os olhos de Gina estavam cheios de lágrimas de novo – Não sei o que dizer!

- Diga que está tudo bem entre a gente. – ele implorou.

- Sim, claro. – ela limpou as lágrimas mais uma vez – É claro que está tudo bem. Eu te amo, Harry! – ela se atirou em seus braços, visivelmente emocionada.

- Gina... – ele murmurou, acariciando suas costas.

Ela tinha um cheiro bom. Os cabelos ruivos eram macios, assim como sua pele. Ah, e ele também gostava de suas sardas.

- De verdade, não estava me agarrando com nenhuma outra garota. – disse antes que pudesse resistir àquele misterioso Veritaserum que ela lhe lançara.

- Eu sei. Pensando bem, você é comportadinho demais.

Custou-lhe processar essa informação.

- Eu sou o que?

- Ora, vamos, Harry! Nós dois sabemos que eu é que mando neste relacionamento! – ela abriu um sorriso travesso.

- Está certo. Pense o que quiser. Vamos dormir, vamos. Estou com sono e muito cansado por causa das partidas de Quadribol.

- Você vai me fazer cafuné até eu dormir? – ela segurou sua mão.

- Claro, Gina.

Ela riu.

- Diz que me ama de novo?

- Eu amo você. – era só meia verdade. Ele gostava demais dela para pôr isso em palavras.

- Vamos. Estou com sono também. – ela disse, beijando seu rosto.

Harry sorriu e a puxou para mais perto.

- Vamos. Antes que a minha sogra acorde para preparar o café. – ele provocou doces risadas com esse comentário.

Os dois subiram as escadas juntos. Felizes. O bruxo respirava aliviado depois de uma noite quase desastrosa.

Ele havia sobrevivido.

Por enquanto.