O céu rugia sobre o pequeno vilarejo, como se criaturas sobrenaturais travassem uma guerra nos ares. O raio cortou o azul escuro, seguido do retumbar de um estrondoso trovão. O grito não tardou a vir, forte, alto e assustado.
A Kuruta moveu-se na cama, levemente despertada. Uma mão masculina encontrou a sua e o movimento do outro lado da cama sugeriu que ela não era a única que fora retirada do mundo dos sonhos pelo grito estridente.
— É sua vez, querida — disse uma voz sonolenta.
Com um suspiro, a Kuruta apertou de leve a mão de seu marido e se sentou sobre o colchão, esfregando os olhos cansados. Sob a luz frágil dos raios que penetrava o vidro da janela, calçou suas pantufas e se arrastou até o quarto ao lado. Abriu a porta devagar.
O cobertor azul tremia sobre a pequena cama e parecia emitir soluços de desespero. A claridade dos raios recaía sobre ele, dando-lhe um ar mágico e ao mesmo tempo assustador.
A Kuruta sentou-se sobre a cama e com sua mão suave puxou o cobertor, revelando uma pequena criança que piscava olhos assustados.
— Meu bem. — Ela sussurrou, acariciando seus cabelos louros. — Está tudo bem. É só uma tempestade.
A criança virou o rosto, revelando suas faces apavoradas. A respiração acelerada fazia o peito subir e descer e causava pequenos ruídos de pavor. Ela tinha apenas três anos e nunca vira uma tempestade.
— Está tudo bem. — repetiu a Kuruta. — Estou aqui com você.
Entre soluços, a criança encarou a mãe. As lágrimas desciam quentes por suas bochechas, dando-lhes uma coloração avermelhada. Mas o rubor que elas continham não se comparava ao vermelho de seus olhos.
— Você quer que eu cante uma música para você dormir? — perguntou a mãe com gentileza.
A criança assentiu levemente, os lábios tremendo do esforço de conter o choro. Apesar de ser pequena, tinha vergonha de chorar na frente dos adultos. Já era um menininho e queria agir como tal, mesmo que isso significasse engolir o choro na frente da mãe.
— Bem. — Ela alisou seus cabelos mais uma vez. — Então, vamos lá.
A Kuruta inspirou fundo, os olhos fechados, como sempre fazia antes de cantar. Quando libertou sua voz, ela preencheu o quarto, serena e pura como um livre passarinho.
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Little child, be not afraid.
The rain pounds harsh against the glass
like an unwanted stranger.
There is no danger,
I am here tonight.
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Pequena criança, não tenha medo.
A chuva bate fortemente contra a janela
como um estranho indesejável,
mas não há perigo,
eu estou aqui esta noite.
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Ela abriu um sorriso doce para seu pequeno filho e observou as lágrimas remanescentes escorrerem por aquele rosto que tanto amava.
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Little child, be not afraid.
Though thunder explodes
and lightning flash
iluminates
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Pequena criança, não tenha medo.
Por mais que trovões explodam
e que a luz do raio
ilumine
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Um raio cortou o céu, jogando sua luz sobrenatural sobre a criança, criando um contraste entre o tom azul da noite e o vermelho daqueles olhos assustados.
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your tearstained face,
I am here tonight.
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seu rosto marcado por lágrimas,
eu estou aqui esta noite.
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Embalada por aquela voz, a criança aproximou-se da mãe, aconchegando-se em seu colo. Inspirou fundo seu perfume, encontrando ali a força de que precisava para encarar a brutal tempestade que destruía o mundo lá fora.
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And someday you'll know
that nature is so.
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E algum dia você irá saber
que a natureza é assim.
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O menino levantou o rosto, encontrando o olhar de sua mãe.
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This same rain that draws you near me
falls on rivers and land
and forests and sand,
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A mesma chuva que te traz para perto de mim
cai nos rios e na terra,
nas florestas e na areia,
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Ela olhou pela janela, e ele a imitou, mas viu apenas os raios que quebravam o céu como ele fosse feito de cerâmica.
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makes the beautiful world that you see
in the morning!
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criando o belo mundo que você vê
de manhã!
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O menino inspirou fundo, desconfiado. Ele apenas via o caos, os ventos ferozes que abraçavam as árvores, as gotas que golpeavam o vidro da janela sem compaixão.
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Little child, be not afraid.
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Pequena criança, não tenha medo.
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Ela o pegou no colo, e ele se deixou levar, mas apenas porque estava com medo. Já era grandinho demais para ser carregado por aí.
Quando a mãe se aproximou da janela, os olhos vermelhos da criança se arregalaram de terror. O som da chuva era mais forte assim tão próximo da janela, e a escuridão engolia tudo lá fora, transfigurando sombriamente o vilarejo que ele tanto amava. O vilarejo que era seu mundo.
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The storm clouds mask your beloved moon
and its candlelight beams
still keep pleasant dreams...
I am here tonight.
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As nuvens da tempestade mascaram nossa amada lua
e suas luzes de vela
ainda guardam sonhos desagradáveis...
Eu estou aqui esta noite.
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Ele encostou a cabeça em seu ombro, buscando desesperadamente a magia que sua mãe via naquele cenário tão assustador. Os soluços martelavam sua garganta, fazendo seus lábios tremerem cada vez mais.
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Little child, be not afraid.
The wind makes creatures of our trees
and the branches to hands...
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Pequena criança, não tenha medo.
O vento transforma nossas árvores em criaturas
e nossos galhos, em mãos...
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A criança escondeu o rosto no ombro de sua mãe. As árvores que tanto amava viravam monstros durante a tempestade. As árvores em que gostava de subir com a ajuda dos meninos mais velhos.
Sua mãe roçou o queixo em seus cabelos, cantando perto de seu ouvido. Mesmo o trovão lá fora não era suficiente para abalar aquela voz que aos poucos se infiltrava no coração do pequeno Kuruta.
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They're not real, understand.
And I am here tonight.
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Mas, entenda, eles não são reais.
E eu estou aqui esta noite.
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Ela voltou para a cama e depositou o filho suavemente sobre o colchão, recebendo um olhar tristonho como resposta. Acariciou seus cabelos louros, demorando-se na região perto das orelhas, o local de carícias favorito da bela criança. Depois desceu para sua bochecha, deslizando os dedos pela pele rosada. O toque até parecia ser de veludo.
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And someday you'll know
that nature is so.
This same rain that draws you near me
falls on rivers and land
and forest and sand,
.
E algum dia você irá saber
que a natureza é assim.
A mesma chuva que te traz para perto de mim
cai nos rios e na terra,
nas florestas e na areia,
.