Ninguém apostava naquele sonho improvável, mas ela não lhes dava ouvidos. Tinha muito com o que se ocupar. Já não bastava a filha pequena que vivia chorando pela ausência do pai? Preocupar-se com mais velho não faria bem à sua saúde. O moleque já estava crescido, sabia se cuidar. Até comprara um terno com o dinheiro obtido em pequenos bicos.
Não. Ela já suava demais para dar atenção às palavras dos vizinhos e parentes. Preferia ficar quieta em sua casa, cuidando das tarefas domésticas, educando a filha e costurando vestidos incríveis para pessoas que nadavam em dinheiro. Certa vez, enquanto franzia o cenho para a máquina de costura, movendo o tecido com os dedos hábeis, lembrou-se por acaso do dia em que Leorio prometera a ela que se tornaria um médico.
— Você vai ver, mãe. Eu vou obter a aprovação no Exame Hunter, usar a licença para entrar em uma boa faculdade de Medicina e provar a todos esses desgraçados que eles estão errados sobre mim!
Ela prensara os lábios, incerta. Com o filho em casa, sempre havia mais dinheiro. E mais trabalho também. O infeliz não parava quieto! Sempre atrás das mulheres mais velhas, sempre importunando a irmãzinha, sempre criticando a mãe por ter se envolvido com um cafajeste que abandonara os três à própria sorte.
— Você não tem capacidade, Leorio — respondera.
— Mas, mãe!
— Vai morrer. É isso que você quer, garoto?
As lágrimas vieram. Não era possível controlá-las. Percebendo que ultrapassara um limite perigoso, Leorio abraçara a mãe, murmurando desculpas.
— Você vai ver... Vou provar para você também.
E ele provou. Obteve sua licença, passou no vestibular, matriculou-se em uma faculdade. Matava-se de estudar. Ela sabia disso. Leorio sempre fora assim. Quando cismava com alguma coisa, cismava mesmo, e ia com a cara e a coragem atrás de seus sonhos. Os parentes e vizinhos ainda comentavam, é claro. Os imbecis não tinham mais o que fazer da vida. Até que, certa vez, Alice tomou sua mão durante uma das pausas no serviço de costura e arrastou-a para a sala, onde a televisão zumbia.
— Olha só, mamãe! O babaca do Leorio está na tevê!
Ela fitou a tela, descrente. Mas lá estava ele, de terno e gravata, bradando diante de um grande público. Dirigia-se a um indivíduo de olhos âmbares e barba mal cuidada. Alice quase saltitava a seu lado, rindo para o irmão. E Leorio desferiu um soco poderoso no piso, tão forte que as duas quase sentiram a casa estremecer. O homem dos olhos âmbares saiu voando. E o público foi ao caos quando Leorio ergueu o braço, proferindo palavras de ordem.
— O Leo-chan bateu naquele velho, né, mamãe? — riu-se a menina, esfregando a língua no pequeno espaço onde antes estivera seu incisivo.
— É... Bateu mesmo.
A mulher sentou-se no sofá. Só então percebeu que seu corpo tremia. Ela observava Leorio, seu Leorio na tela. Tão bonito, tão forte, tão adulto. Quando fora que ele amadurecera tanto assim? Quando voltaria para casa? Ela não tinha ideia. Sabia apenas que sentia saudades. E, em meio à falta, outro sentimento soltava seu brado. Um brado de orgulho.